sexta-feira, 27 de março de 2009

SAGA DA VIDA

O VENCEDOR

Leonardo Martins

Parte Um

Capítulo Um

O Sol surgia do fundo do mar no horizonte, a iluminar as águas cristalinas, o céu azul, os morros cobertos de mata atlântica, as ruas e as casas da cidade de Angra dos Reis. Nessa hora, Teobaldo acabava de tomar seu café da manhã e se arrumava para ir ao colégio. Vestiu seu uniforme, carregou sua mochila, deu um beijo no rosto de sua mãe e saiu de sua humilde casa.

Ele morava num bairro muito pobre da cidade, situado em um morro, onde havia pouca infra-estrutura para a população. As casas eram muito próximas umas das outras, e todos na vizinhança se conheciam.

Enquanto descia o morro, olhava para o nascer do sol no horizonte, que estava envolto pelo oceano azul. Aquela paisagem lhe trazia um sentimento de esperança na vida, de que a cada novo dia o sol surgia com sua luz depois de um tempo de escuridão.

No caminho, encontrava com alguns de seus vizinhos, os quais cumprimentava, como Dona Zélia, uma senhora muito amiga de sua mãe, e sua filha, Sara, uma moça da sua idade, muito dedicada à família e à Igreja.

Ao passar pela casa de Dona Zélia, perguntou por Ronaldo, seu amigo de infância e de vizinhança, e a senhora respondeu-lhe que ele fora jogar futebol no campinho. Teobaldo sorriu. Ronaldo repetira de série na escola por várias vezes e quase não ia mais às aulas. Só queria saber de jogar futebol no campinho do bairro com os outros rapazes.

Logo que viu Teobaldo, Élcio, o filho caçula de Dona Zélia, apareceu na porta e abordou o rapaz, entusiasmado:

____ Téo! Téo!

____ Olá, Elcinho! E aí, tudo bem com você?

____ Téo, eu ganhei um jogo de xadrez! - disse o menino mostrando uma caixinha de papelão com o jogo. ____ Vamos jogar quando você voltar da escola! Quero que você me ensine todos os seus truques!

Téo, assim como seus amigos o chamavam, sorriu divertido e disse:

____ Mas eu vou ensinar os meus truques logo pra você, que é o melhor jogador do bairro?!

Dona Zélia, que estava à porta de sua casa assistindo a conversa, sorriu para Téo em tom de cumplicidade. Elcinho, muito empolgado, falou, acompanhando Téo em sua descida.

____ Você vai me ensinar muitos truques. Depois, eu vou mostrar pra todo mundo aqui, e vou vencer de todos!

Téo sorria, divertido.

____ E quando eu crescer, eu vou fazer vestibular igual a você. E vou ser um médico, ou um advogado, ou um cientista famoso...

E assim Téo foi descendo para as ruas da cidade, chegando ao centro onde ficava o seu colégio.

Capítulo Dois

No colégio havia muitos alunos. Crianças e adolescentes que, com sua juventude, seus sonhos e anseios, enchiam o ar de alegria e esperança. Ali, Téo fugia dos problemas de sua pobre família e mergulhava num universo diferente, mágico, infinito. Um universo de aprendizado que o faria mudar de vida e ter um futuro melhor. Sempre muito atento às aulas, ele tinha pelos seus professores um carinho muito grande. Sempre curioso e observador, tirava o máximo proveito do conhecimento que lhe era passado, adquirindo assim uma enorme bagagem para o seu futuro.

Estava em seu último ano colegial e ansiava por entrar numa universidade. Queria se formar e conseguir um bom emprego para poder ajudar sua mãe e seu irmão. Era um rapaz muito inteligente e se dedicava assiduamente aos estudos. Por isso, sempre tirava boas notas. Porém, a sua vida não era feita só de estudos...

Tinha uma namorada, que também estudava no colégio junto com ele. Era uma bela jovem que tinha uma pele macia e amorenada, longos cabelos pretos escorridos como os de uma índia e olhos negros sedutores, em contraste com seu sorriso branco radiante. Encantadora. Era a namorada que todo homem gostaria de ter, não importando a idade. Estava se tornando uma moça muito bela, que com certeza seria a mais bela da cidade. Seu nome era Katina.

Naquele dia, Téo a abraçou e deu-lhe um beijo, sentindo o fôlego esvaziar. Ela, com seu jeito doce e misterioso, interrompeu o beijo e olhou bem para ele. Sorriu suavemente e pôs sua mão leve sobre o peito dele, indagando:

____ O que houve... ? Você parece não estar conseguindo respirar...

Ele a olhou, os olhos azuis brilhando, e contou:

____ É que toda vez que estou com você, sinto minha respiração falhar.

Ela olhou para ele de forma enigmática, sem dizer nada, e se deixou levar. Ele a beijou novamente, com o mesmo ardor, mas sem deixá-la escapar. Logo sentiu que o corpo dela cedia e ele a sustentava em seus braços naquele beijo apaixonado.

Katina era o grande amor de Téo.

Capítulo Três

Téo estava em sua casa, estudando em seu quarto, enquanto era noite e a lua se fazia iluminar no céu lá fora. Foi quando de repente escutou um barulho forte de algo caindo no chão, um barulho que vinha lá da sala, e foi até lá verificar.

Foi aí que se espantou com a cena que viu. Sua mãe, Madalena, caída no chão, tentava se levantar com esforço, visivelmente dolorida. Enquanto seu pai, Seu Eriberto, de pé à frente dela, visivelmente embriagado, resmungava palavras desconexas.

____ Essa mulher... já está me dando canseira... - resmungava. ____ Levanta daí, mulher!!!

____ Mãe! O que foi que ele te fez?! - indagou Téo, indo a acudi-la, a ajudando a se levantar.

Mas Madalena estava muito abatida e envergonhada. Em seu rosto havia a marca de um punho, este que provavelmente teria sido dado pelo seu pai.

____ Mãe, ele te bateu de novo, foi isso? - indagou Téo mais uma vez.

Mas Madalena ficou calada. Estava dolorida, envergonhada, abalada. O velho, bêbado, tornou a dizer, com voz embargada:

____ Quê que esse moleque... hein?... Que esse moleque tá fazendo aqui... hein? Responde mulher!....

____ O senhor bateu na minha mãe. - falou Téo cheio de ódio para o seu pai. ____ Por que você faz isso, hein? Por que o senhor chega bêbado em casa, nesse estado, e fica querendo agredir minha mãe? O senhor não tem vergonha na cara não? Você podia ser preso por isso, sabia?

____ Seu moleque...! - resmungou o pai embriagado. ____ V-você... t-tem... que calar essa boca...! você... não sabe de nada...

Ele deu uns passou, aos tropeços, e se aproximou de sua mulher, que, com o rosto marcado, ficava calada e olhando cabisbaixa para o chão.

____ O que o senhor vai fazer? - Téo perguntou atento ao pai.

Mas S. Eriberto, não dando atenção à Téo, olhou bem nos olhos da mulher, com seu olhar vermelho de embriaguez, e bradou novamente:

____ Você é uma... p-porcaria de mulher... uma vadia que não tem serventia nenhuma pra casa...

Téo ia responder a ofensa e tirar o pai dali, já farto daquilo, mas não teve tempo para isso. Naquele momento seu irmão mais velho chegou em casa e vendo o rosto de sua mãe machucado e o estado de Seu Eriberto, partiu pra cima de seu pai com sua força descomunal, dando um murro na cara dele, o jogando ao longe no chão da sala, com o nariz escorrendo sangue.

____ Eu já falei pra você não fazer isso com a minha mãe que senão eu ia te quebrar!! - berrou o irmão de Téo.

____ Não, Osvaldo, não faça isso, meu filho! - exclamou a mãe apavorada.

Mas Osvaldo já estava cansado de ver a mãe naquele estado e o velho fazer aquilo. Pegou Seu Eriberto, puxando-o pela camisa com a força de seus braços e o levantou do chão.

____ Você não vai ficar aqui desse jeito! Não vou fazer minha mãe cuidar de você, seu velho bêbado safado! - falou Osvaldo, arrastando seu pai para a porta de casa, não atendendo aos apelos da mãe que suplicava, enquanto Téo tentava acalmá-la.

____ Vai-te pra fora, seu desgraçado! - gritou Osvaldo, jogando seu pai pra fora de casa, no meio da calçada, totalmente embriagado, sem nem saber onde estava.

Madalena ficou à porta chorando desamparada, enquanto que Osvaldo, sem pena nenhuma nem sentimento de culpa, ia para a cozinha preparar o prato para jantar, pois havia chegado do trabalho com fome. Téo assistia a tudo, sem ousar dizer uma palavra.

Capítulo Quatro

Téo era um rapaz muito sofrido. Desde pequeno, assistira as brigas do pai e da mãe, as quais muitas terminavam em agressões por parte deste. Osvaldo, seu irmão, presenciara muitas delas, o que o prejudicara na formação de sua personalidade, a qual se tornara agressiva, distante dos estudos, sem perspectivas de um bom futuro profissional e pendente às más influências. E era isso que preocupava Téo naquele momento. Percebia que seu irmão estava quase sempre fora de casa, só aparecia tarde da noite, não falava nada de sua vida, do seu trabalho, o qual ninguém sabia onde era. A preocupação era grande. Além disso, notava que Osvaldo tinha amizade com pessoas no morro que, pela sua suspeita, eram traficantes de drogas. Dentre esses homens, ele destacava um que tinha um pouco mais que a sua idade e sempre que cruzava com ele, este se prestava a chacoalhá-lo.

____ Ô, loro, tá indo pra escolinha encontrar com a namoradinha? Tu acha mesmo que ela quer alguma coisa com você? Presta a atenção, rapá!

Téo se aproximou do moço, em fúria, e falou em tom ameaçador:

____ Não ouse falar assim da minha namorada. Não se meta com isso.

____ Ha, ha, ha! Você acha que eu vou perdeu meu tempo, rapá. Eu tenho mais o que fazer, ganhar o meu dinheiro aqui, ó. - e mostrou algumas notas de dinheiro que estavam na carteira.

Téo olhou para ele ameaçador. Mesmo com as zombarias, Rômulo, assim como se chamava o rapaz, sabia até onde podia mexer com Téo. Então, disse apenas suas últimas palavras daquela vez:

____ Você acha que eu sou igual a você, loro? Não preciso ir pra escola estudar não. Eu já tenho a minha grana garantida aqui, ó. - e mostrou as notas em sua mão.

Téo olhou bem fundo nos olhos dele e respondeu:

____ Faça bom proveito dela, então. - e seguiu seu caminho morro abaixo, deixando Rômulo com sua chacota:

____ Vai estudar, loro! Isso mesmo, mete a cara nos estudos! Vamos ver aonde você vai chegar. Vai é morrer de fome! Há, há, há!

Mas Téo não olhou para trás e continuou seu caminho em direção à escola.

Capítulo Cinco

Na escola, Téo assistia uma aula com o professor Basílio, um excelente historiador que tinha a capacidade de prender a atenção dos alunos enquanto falava. Naquele dia, ele discursava sobre um assunto particular da história do Brasil, a origem das favelas.

____ O início das formações de favelas no Rio de Janeiro está ligada ao término do período escravagista no final do século dezenove. Sem posse de terras e sem opções de trabalho no campo, grande parte dos escravos libertos deslocaram-se para o Rio de Janeiro, então capital federal, que já possuía uma significativa quantidade de ex-escravos mesmo antes da promulgação da Lei Áurea, em 1888. O grande contingente de ex-escravos em busca de moradia e ainda sem acesso à terra, provocou a ocupação informal em locais desvalorizados, de difícil acesso e sem infra-estrutura urbana. - dizia o professor. ____ A maior parte dos habitantes das favelas é pobre, vivendo com menos de 100 dólares por mês. Acidentes, principalmente decorrentes de pluviosidade forte, são freqüentes em áreas assim. As favelas também sofrem pelo crime, tráfico de drogas e lutas de gangues.

Nessa hora Téo pensou em seu irmão. O que será que ele estaria fazendo naquele momento? Pediu a Deus que o guardasse para que nada de ruim lhe acontecesse.

____ As favelas do Brasil são consideradas por muitos como uma conseqüência da má distribuição de renda e do déficit habitacional no país. A migração da população rural para o espaço urbano em busca de trabalho, nem sempre bem remunerado, aliada à histórica dificuldade do poder público em criar políticas habitacionais adequadas são fatores que têm levado ao crescimento dos domicílios em favelas. - continuou o professor.

Nessa hora, um aluno levantou o dedo para expor sua opinião.

____ Sendo assim, a favela é o lugar que abriga as pessoas necessitadas, que estão sem moradia e não têm condições de comprar uma casa. - disse o aluno.

____ Exatamente. As favelas, muito mal vistas por algumas pessoas como um lugar de criminosos, abrigou desde o início as pessoas que não tinham onde viver, como os negros que tinham sido escravos no passado e as pessoas pobres que não tinham salário ou que ganhavam muito pouco e não tinham condições de morar em áreas boas das cidades. E lá dentro existe muita solidariedade entre os seus habitantes, pois todos sabem das dificuldades da vida e se ajudam mutuamente. Eu nasci numa favela e posso lhes dizer isso.

____ Entendi. - disse o aluno. ____ E elas são na verdade o reflexo da escravidão e o descaso com a população pobre no Brasil.

____ Isso mesmo. Mas as pessoas que lá vivem são muito batalhadoras, lutam para poderem ter uma vida melhor.

____ Com exceção daqueles que vão pelo caminho do crime. - ressaltou uma aluna.

____ Sim. - concordou o professor. ____ Mas até na questão da criminalidade, eles também são vítimas.

Nessa hora os alunos ficaram um pouco confusos com o professor. Ele explicou melhor:

____ Na verdade, aqueles que vivem do tráfico de drogas nas favelas, são apenas parte de um problema. Eles estão ali apenas para venderem as drogas para os usuários delas que, geralmente, são jovens de classe alta da sociedade. Estes, por sinal, são o motivo pelo qual existe o tráfico. Se não existissem usuários, não existiriam drogas, correto? E ainda existem os homens poderosos que participam do esquema do tráfico. Esses não vivem nas favelas, porque moram em condomínios de luxo e quase nunca vão presos por fazerem parte disso.

Téo refletiu sobre aquelas palavras. No fim, os pobres sempre estavam nas piores condições. Nascer pobre e ir pelo caminho do crime era a mesma coisa que se render à derrota. No fim, os maiores responsáveis por aquilo, algumas pessoas ricas e poderosas, ficariam sempre numa boa. Era preciso lutar, se esforçar, para poder mudar o destino que a vida lhe impusera. Fazer força para vencer na vida. Assim como o professor conseguira, estudando, se tornando um professor renomado e diretor de colégio, ele também conseguiria. Era só ter paciência e prosseguir em seu caminho.

Capítulo Seis

Téo e Katina estavam abraçados, sentados num banco no cais da cidade, onde havia muitos barcos de pescadores e pássaros voejando pelo céu do entardecer. A brisa esvoaçava levemente os longos cabelos pretos dela, enquanto ela olhava para o mar no horizonte com um semblante belo e triste.

Téo, sempre atencioso, notou uma tristeza no olhar dela e indagou:

____ O que houve, meu amor? - e tocou no rosto dela. ____ Você está triste...

Katina nunca fora de demonstrar seus sentimentos, muito menos tristeza. Mas com ele ela sentia-se mais à vontade para falar.

____ É o meu pai, Téo... Ele está muito doente... Não está mais podendo trabalhar... Parece que vai vender seu barco, para poder pagar algumas dívidas, alguns exames... e depois, eu não sei...

____ O que está querendo dizer? Você acha que vocês vão passar necessidade?

Ela olhou com tristeza para ele, que sentiu uma falta de esperança em seu olhar.

____ Eu acho que sim... - respondeu ela, o abraçando, a encontrar consolo.

Téo respirou fundo, confortando-a em seus braços, e pensou no que poderia fazer para ajudar sua amada.

Ao adentrar em sua casa, deparou com sua mãe e Dona Zélia conversando na mesa da cozinha, um lampião iluminando os rostos das duas em meio à escuridão. As duas olharam para ele quando o viram surgiu na porta da casa.

____ O que aconteceu aqui, mãe? Por que a luz acabou?

____ Eles cortaram a luz, meu filho. - respondeu Dona Zélia.

____ Cortaram a luz? Mas por que, mãe?

Então, Madalena respondeu, amargurada:

____ Seu pai não pagou as duas últimas contas. Por isso... Agora, estamos sem luz, sem pão, sem nada pra comer...

____ Calma, minha querida. - disse Dona Zélia, consoladora, tocando a mão da amiga. ____ Essa situação vai passar. Nós vamos à Igreja e vamos orar por vocês.

Téo ficou ali na penumbra, calado, enquanto ouvia Dona Zélia continuar a sua palavra:

____ Vamos também com a gente, Téo. Você vai gostar. A Igreja é um lugar muito bom pra vocês, jovens. Você vai ver. A Sara também vai, você pode ir junto com ela.

____ Tudo bem, eu vou. - disse Téo.

Depois que Dona Zélia foi embora, Téo pôs-se a pensar na situação. Seu pai estava fora de casa há muitos dias, desde que seu irmão o expulsara. Seu Eriberto era pescador e por vezes fazia campanhas pelo mar afora, junto com outros pescadores, à procura de cardumes numerosos. Porém, não voltara para mandar algum dinheiro de auxílio.

Pensando nisso, e também na situação de Katina, ele sentiu que precisava trabalhar, mesmo com as provas de vestibular chegando. Sentia que não podia mais ficar parado. No dia seguinte, ele iria às ruas do comércio da cidade para procurar um emprego, podendo assim ajudar a si e sua família. E também a sua amada.

Capítulo Sete

Nas ruas do centro da cidade, havia como sempre uma grande movimentação de pessoas, e nesse meio Téo andava pelas lojas e estabelecimentos comerciais deixando o seu currículo.

O Sol estava de rachar e isso o estava cansando, além das muitas recusas por parte dos comerciantes em empregá-lo em virtude de sua pouca idade e falta de experiência profissional. Mas ele não desistia e permanecia irredutível. Precisava ajudar sua namorada e sua família.

Então, quando já era quase no final da tarde que ele, exausto e com as pernas doendo de tanto andar e ficar em pé, entrou numa loja de materiais de construção para entregar o seu currículo. O próprio dono da loja, um senhor de origem árabe, leu o seu currículo e com uma fisionomia séria, falou:

____ Eu abri essa loja há pouco tempo e estou mesmo precisando de funcionários. Mas vejo aqui que você não tem nenhuma experiência anterior.

____ Estou procurando o meu primeiro emprego, senhor. - disse Téo, com a voz fraca e já perdendo as esperanças. ____ Mas eu posso garantir que se o senhor me contratar eu vou me empenhar ao máximo para atender às suas expectativas.

____ Sim, sim. - disse o senhor árabe com certa rispidez. ____ Mas eu não poderei contratá-lo, até porque você ainda é de menor. O que eu posso fazer por você – disse com certa ironia. ____ é deixá-lo trabalhar aqui sem carteira assinada e pagando um salário um pouco menor que o dos outros empregados, até pela sua falta de experiência.

Mesmo tendo que trabalhar com um salário mísero, Téo não recusou e no mesmo dia recebeu as instruções sobre a sua função na loja. Oito horas diárias, sem vale refeição, apenas um vale transporte, trabalhando desde o caixa até a faxina rotineira do chão da loja, ele iniciou o seu primeiro trabalho, que tentava conciliar com os estudos e as provas do vestibular.

Capítulo Oito

Dentro da Igreja próxima à sua casa, Madalena orava junto com sua amiga, Dona Zélia, pela sua família, seus filhos e para que Deus iluminasse a cabeça de seu marido, para que ele voltasse para casa e ajudasse a sua família, que estava passando por muitas dificuldades.

No desespero da vida, Madalena recorria à Igreja e às orações, que eram sua única esperança. Uma mulher muito sofrida, trabalhara desde criança, sofrera nas mãos do pai e depois nas mãos do marido. E aquela altura da vida, só tinha forças para orar e pedir a Deus auxílio.

Naquela hora da noite, quando Téo subia o morro para chegar em sua casa, depois de um dia cansativo de trabalho, ouviu um barulho de tiros e olhou na direção de onde deveriam terem sido feitos os disparos. Foi quando avistou, ao longe, seu irmão, Osvaldo, descendo uma escadaria, armado, ao lado de uns homens e rapazes, dentre os quais ele pode distinguir Rômulo, que também estava armado, e Tito, um traficante conhecido no morro e muito perigoso.

Com receio de que o vissem, ele andou com mais velocidade até a porta de sua casa. Adentrou nela e respirou fundo, para se recuperar da subida e da cena que havia presenciado. Não podia ser possível. Seu irmão, envolvido com traficantes! Aquilo não podia ser verdade... Téo imaginou a tristeza que sua mãe sentiria se soubesse. Mas não! Não haveria de contar aquilo para ela, nunca! Porém, precisava fazer alguma coisa para poder tirar o irmão daquela situação. Ou o futuro e até a própria vida dele estariam correndo um grande risco.

Nessa hora, sua mãe chegou da Igreja e acendendo as luzes, se assustou com ele encostado na parede, próximo à porta.

____ Téo! Meu Deus, que susto! O que você está fazendo aí parado, no escuro?

Mas Téo, ainda assustado com o que tinha visto, não respondeu de prontidão. A cor em sua face havia sumido.

____ Nossa, você está pálido! - exclamou Madalena. ____ O que foi que aconteceu?

Ele tentou disfarçar:

____ Não, não foi nada, mãe.. - respondeu, ainda nervoso. ____ Eu... só estou um pouco cansado, é só isso. Eu tinha acabado de chegar quando você entrou. Vou tomar um banho e comer alguma coisa depois.

E assim deixou sua mãe na cozinha e foi para o banheiro. A noite toda ficou pensativo, abalado com o que vira, sem saber se deveria ou não contar para ela. Conhecia a fama de Tito, o qual era considerado o maior traficante do morro e, além disso, um homem muito violento, assassino sanguinário. Uma vez ouvira a história do passado dele. Quando criança, fora abandonado pelos pais e criado por um tio que, como seu pai, era um homem rude que se embriagava, o agredia e o fazia passar fome. Diziam até que ele sofrera abuso nas mãos do tio e logo que entrara na adolescência fugira da casa dele, indo trabalhar com traficantes. Assim que pudera, ele o matara. E desde então cometera muitos assassinatos, sem sentir culpa nem pena, pois que sua vida se resumira a fazer aquilo.

Téo concluiu então que a vida não lhe dera outra oportunidade a não ser aquela, que o destino o fizera optar por esse único caminho, um caminho triste.

Mas seu irmão não. Seu irmão tinha a ele, a sua mãe. Tinha casa, família, um pouco de estudo. Seu irmão podia seguir por um outro caminho, o mesmo que ele estava seguindo. O caminho do estudo, da profissão honesta e segura, do sucesso, da prosperidade. E ele haveria de tentar convencer seu irmão a seguir por esse caminho.

Porém, quando seu irmão chegou em casa, notou que ele estava com uma expressão estranha no rosto, os olhos bem vermelhos e com bastante fome. O viu preparar um grande prato de comida e comer feito um leão. Aquilo lhe deixou confuso e apreensivo. Não ousou dizer uma palavra.

Capítulo Nove

Téo estava com Katina no pátio da escola, na hora do recreio, e contava para ela a cena que tinha presenciado no dia anterior, sobre o seu irmão. Falou para ela da sua preocupação, pela vida de Osvaldo e o receio que sentia de contar tudo que sabia para sua mãe ou para o próprio Osvaldo.

____ Téo, seu irmão está correndo um grande risco se envolvendo com esses bandidos... Mas o que você acha que pode fazer pra tirar ele dessa?

____ Eu não sei, meu amor... Eu não sei o que eu posso fazer. O problema é que eu desconfio que, além dele estar envolvido com esses caras, ele também possa estar sendo usuário de drogas.

____ Que isso, Téo! - exclamou ela, assustada. ____ Você acha isso? Mas por quê?

____ Eu acho. Porque ele vem chegando estranho em casa, com os olhos muito vermelhos, cheio de fome, prepara um prato enorme de comida. Às vezes quando a gente fala com ele, ele responde meio lento, eu não sei...

____ Nossa... isso é mesmo muito preocupante...

____ Você sabe como é hoje. Muitos jovens, até da nossa idade mesmo, estão nesse caminho. Até aqui mesmo na escola tem uns mais novos do que nós que usam. - disse ele. ____ Mas o meu medo quanto ao meu irmão é que se ele estiver envolvido demais com esses caras, pode ser mais difícil para se libertar.

____ É verdade... - concordou Katina. ____ Mas o que você vai fazer?

____ Eu não sei. Não sei o que eu posso fazer...

Ela refletiu sobre aquilo e falou num desabafo:

____ Meu Deus... que situação...

Depois olhou para um ponto distante, penetrando em seus pensamentos. Nesse instante, Téo não pode deixar de admirar sua beleza e mesmo preocupado com a questão do irmão, deixou-se levar aproveitar aquele momento para apreciá-la como queria. Se aproximou dela beijando-a no rosto, dizendo ao seu ouvido:

____ Você está linda hoje, sabia?

Ela acordou de seus pensamentos e, dada àquela abordagem inusitada, sorriu graciosa e depositou um beijo na boca dele, o qual sentiu o fôlego esvaziar, como sempre.

E assim, acabaram aproveitando aquele instante de paixão, deixando os problemas para trás, no esquecimento.

Capítulo Dez

Seu Amin, dono da loja de materiais de construção onde Téo trabalhava, não dava um descanso para o pobre garoto naquele dia. Como um funcionário havia faltado, ele estava trabalhando por dois. Suas pernas doíam, cansadas. Mas segurava o tranco, firme. Quando de repente surgiu na entrada da loja a figura de seu pai que, com a fisionomia refeita, comparada a da última vez que o vira, se aproximou dele com um sorriso de sarcasmo que só ele sabia fazer e disse:

____ Tá trabalhando é, moleque?

Téo olhou para ele, sério, e respondeu:

____ O que o senhor quer aqui, pai.

____ Eu vim ver onde que você está trabalhando. - e olhou ao redor. ____ É. Para um moleque insolente como você isso aqui vai fazer muito bem, pra baixar a tua bola.

Téo sentiu o sangue subir à cabeça, mas se conteve porque Seu Amin estava próximo.

____ O que o senhor quer? - disse ao pai. ____ Eu estou trabalhando. Não posso ficar falando com o senhor. Tenho muita coisa pra fazer hoje.

____ Eu só vim aqui saber se aquele vagabundo do seu irmão já saiu da minha casa. - respondeu Seu Eriberto com rispidez. ____ Eu não quero mais ele na minha casa. Ele é um vagabundo, um desgraçado.

____ Eu não sei do que o senhor está falando. O Osvaldo não vai sair lá de casa. A casa é dele também. Ele é seu filho.

____ Não! A casa é minha! Ele não é mais meu filho. E eu não quero mais ele lá!- bradou o outro, com raiva, fazendo nessa hora Seu Amin se aproximar dos dois e interromper a conversa achando que Seu Eriberto fosse um cliente:

____ Eu posso ajudá-lo?

____ Não, não. - respondeu Seu Eriberto, desfazendo o tom de rude. ____ Eu já estava de saída. - e se retirou da loja.

Seu Amin o acompanhou com o olhar, vendo-o se distanciar pela rua, e indagou à Téo:

____ Quem era esse sujeito? O que ele queria?

____ Era o meu pai. - respondeu o rapaz a contragosto.

Seu Amin, sentindo o tom de voz melancólico com que Téo lhe respondera, avisou:

____ Olha aqui, garoto. Eu não quero que você traga seus problemas familiares aqui para a loja, ouviu bem?

____ Sim, senhor. Pode deixar.

____ Muito bem. Pode voltar ao trabalho.

Capítulo Onze

Subindo as escadarias do morro onde morava, Téo ia a passos lentos dessa vez, aproveitando que teria o resto do dia livre, já que Seu Amin lhe dera um dia de folga por ter trabalhado por dois no dia anterior. Estava chegando da escola e ansiava por comer um bom prato de comida de sua mãe.

No meio do caminho, um grupo de crianças e jovens correndo passou por ele quase o esbarrando e entre elas estava Elcinho, filho caçula de Dona Zélia.

____ Ora, aonde vocês vão com tanta pressa assim, hein, molequinho? - perguntou Téo ao seu fã.

____ Téo! Téo! O meu irmão! Nós vamos ver ele jogando lá no estádio contra o time do outro bairro! Vamos lá torcer com a gente!

Nessa hora surgiu Sara, filha de Dona Zélia e irmã de Elcinho, que, descendo as escadas do morro, sorriu ao se deparar com o rapaz.

____ Olá, Téo! - disse com simpatia, como sempre. ____ Como você está?

____ Eu estou bem. - respondeu Téo um pouco corado. ____ Um pouco cansado.

____ Ah, eu imagino... Deve estar com muito trabalho... Você não quer assistir ao jogo de futebol do Ronaldo com a gente? Vai ser uma partida importante do campeonato municipal! É a primeira vez que ele vai participar de um campeonato!

____ É, ele deve estar bem nervoso! - disse Téo, coçando a nuca de leve, envergonhado.

Não sabia o porquê, mas toda vez que conversava com Sara sentia certa vergonha. Não que fosse infiel à sua namorada, a quem era extremamente apaixonado. Mas era que Sara, mesmo com seu jeito reservado, sem muita vaidade, com sua religiosidade forte, tinha a sua graça, e seu sorriso mostrava uma intenção escondida por dentro.

____ Então, você vem com a gente? - disse a moça mais uma vez.

Dada à insistência do convite e para não fazer recusa a uma moça, Téo largou o almoço da mamãe e fez um lanche na rua, indo assitir a partida de Ronaldo ao lado de Elcinho e Sara, que ficara contente com a sua companhia. Na verdade, o rapaz não sabia, mas ela nutria um amor oculto por ele e não contava para ninguém.

No estádio, os três vibraram com a partida, que estava sendo bem disputada. Ronaldo, no campo, fazia jogadas espetaculares, conquistando a atenção da torcida. Sara, nervosa com o jogo, agarrava-se à Téo, que ficava corado com a proximidade da garota. Entre muitas tentativas de gol dos dois times, as torcidas iam ficando com os corações a mil, naquela partida emocionante. Até que, no segundo tempo, Ronaldo conseguiu fazer três incríveis gols contra o adversário, garantindo a vitória do seu time.

Téo, Sara e Elcinho comemoraram a vitória do time do bairro junto com a sua torcida e foram para cima de Ronaldo, assim como os outros jogadores e outros torcedores, a darem-lhe os parabéns.

____ É isso aí, parceiro!! - exclamou Téo para o seu amigo.

____ Viva, Ronaldo! - Sara gritou vibrante.

Ronaldo, todo suado, falou, exausto:

____ É, meus amigos... agora eu vou rumo à Seleção!

E aos vivas da torcida, Téo passou aquele belo dia com seus amigos, enquanto que o sol brilhava no céu azul iluminando a tudo e a todos.

Capítulo Doze

Os dias se passavam como o vento. O outono já dava lugar ao inverno e este por sua vez trazia muitas chuvas naquele período na cidade que, antes estava cheia de turistas pela alta estação, agora se esvaziara dando lugar a uma calmaria e lentidão.

Naquele dia o tempo estava nublado e Téo trabalhava feito um cão, para a satisfação do Senhor Amin que, como sempre, era bem exigente em seu negócio.

Devido àquela correria em seu dia-a-dia, de ter que ir à escola e depois trabalhar até tarde da noite, Téo estava ficando sem tempo para estudar pro vestibular, deixando os estudos para trás...

Mas felizmente, ou não, quando voltara para casa viu seu pai na cozinha jantando junto com sua mãe, o que indicava que ele retornara ao seu lar, e ainda trouxera uma cesta de compras, o que aliviaria muito o bolso de Téo e seu irmão, o qual ninguém sabia por onde andava e o que estava fazendo. Mas, enfim, não havia outra alternativa, e com a ajuda financeira de S. Eriberto, Téo poderia economizar parte do seu salário para poder ajudar sua namorada, Katina.

____ Me passa o sal, mulher. – ordenou S. Eriberto com seu tom rude. ____ Isso aqui tá sem sal. Ô mulher ruim de mão, sô.

D. Madalena atendeu ao pedido do marido, prontamente, sem dizer uma palavra. Téo, que assistia a cena, preveu que coisas ruins estariam novamente por acontecer.

Capítulo Treze

Teó estava muito estressado, por conta dos estudos, do trabalho e dos problemas em casa, com a volta de seu pai a querer dominar a todos e a pisar em sua família. E por isso não agüentou e certo dia desabafou com Katina na escola.

____ Eu não agüento mais, Katina. Estou muito estressado. É muita coisa pra minha cabeça.

____ Meu amor, se acalme. – disse ela consoladora envolvendo-o em seus braços. ____ Isso tudo vai passar... Fique calmo.

Ninguém melhor do que Katina para fazê-lo se esquecer dos problemas, com seu olhar sedutor, seus lábios doces, seu corpo quente acolhedor. Agora que estava economizando o dinheiro do seu salário, ia ajudando-a em seus problemas financeiros com sua família. Ele era muito apaixonado e fazia tudo por ela.

____ Téo, você não acha melhor sair do seu emprego? – induziu Katina.

____ Não... de jeito nenhum! Eu preciso trabalhar, para poder ajudar você, e sua família.

Katina olhava para um ponto fixo distante, pensativa.

Capítulo Quatorze

Andando pelas ruas da cidade, Teobaldo pensava na vida. Nos últimos meses, o trabalho e o estudo tomaram conta de seu tempo não deixando espaço para que ele pudesse aproveitar a vida como um jovem de sua idade.

Às vezes olhava para outros jovens como ele que tinham uma situação financeira melhor, usavam roupas de marca, alguns até tinham carro e moravam em condomínios de luxo, e imaginou como seria se sua vida tivesse sido assim. Não teria problemas, nem tristezas, não precisaria trabalhar na loja de um árabe explorador, e até nem precisaria estudar tanto, já que seus pais teriam condições de pagar uma faculdade particular para ele.

Como ele gostaria de ter uma vida daquelas! Andar pelas ruas mais aliviado, sem pressa de fazer isso ou aquilo, e nos finais de semana, iria pegar sua lancha e dar um passeio pelas ilhas ao redor. Aproveitar a vida.

Mas tinha que se conformar. Essa era a sua vida. A vida de um rapaz de família pobre, e a única coisa que ele poderia fazer era estudar para se tornar alguém e poder mudar o seu destino.

Capítulo Quinze

Em casa, as coisas estavam parecendo entrar nos eixos. Seu pai, S. Eriberto, não estava saindo para beber e sua mãe continuava fazendo suas orações pelo bem estar da família. Só o seu irmão, porém, que permanecia passando a maior parte do tempo fora de casa, para a preocupação de Téo.

Precisava falar com sua mãe sobre a desconfiança que tinha do irmão, embora imaginasse que ela mesma também pudesse desconfiar que algo estava errado com Osvaldo.

Preferiu deixar o tempo passar. Afinal, agora que o pai estava ali de volta para a casa, não queria perturbar a cabeça de sua mãe com novos problemas que só a fariam sofrer sem poder fazer nada, em vão.

Até porque, também, ele mesmo já estava cheio de problemas. Com as provas de vestibular se aproximando, ele precisava estudar, só que lhe faltava tempo. E tempo era o que não tinha.

Pensou em sair do seu trabalho. Mas pensou bem e preferiu continuar. Afinal, Katina estava precisando dele, a sua situação financeira estava complicada, e ele era o único a quem ela tinha a recorrer.

Capítulo Dezesseis

Katina estava no pátio da escola, na hora do recreio, conversando com sua amigas sobre as festas que iam ter aquele fim de semana na cidade. Quando Téo apareceu, as meninas se afastaram, e Katina ficou a sós com ele, esperando ele falar.

____ Oi, meu amor. – disse ele, dando um beijo nela. ____ Como você tá?

____ Estou bem. – respondeu ela.

____ O que vocês estavam conversando aqui? – ele indagou.

____ Nada de mais. – ela respondeu com um sorriso suave. ____ Vamos dar uma volta pelo pátio! – desconversou.

E assim os dois andaram juntos pelo pátio, ele notando que havia algo de estranho em sua amada.

Capítulo Dezessete

Seu Eriberto chegara mais uma vez bêbado em casa, batendo a porta da cozinha e reclamando da mulher, para desespero de D. Madalena. Téo estava na sala assistindo TV quando percebeu que havia algo de errado e foi até lá conferir.

Seu pai estava com as mãos no pescoço de sua mãe, quase a sufocando, quando Téo o empurrou para longe dela. Nesse momento seu irmão chegou em casa, com uma fisionomia estranha no rosto, e já percebendo o que estava acontecendo, agarrou o pai pelo colarinho e o jogou de novo na rua.

____ Dessa vez não tem escapatória pra você, seu velho! – falou ele, dando um assobio alto depois.

Logo surgiram três rapazes ao redor de Seu Eriberto e Dona Madalena, assustada, perguntou:

____ Meu filho, o que vocês vão fazer?!...

Mas Osvaldo não deu ouvidos à sua mãe e ordenou que os rapazes terminassem o serviço. Assim, aos berros de D. Madalena, S. Eriberto foi brutalmente espancado pelos rapazes até a descida do morro, ao fim da comunidade, quando eles o ordenaram que nunca mais voltasse para lá.

Aos prantos, vendo seu marido desfalecido no meio da rua, D. Madalena foi abraçada por Téo, que nada pôde fazer a não ser acompanhá-la em seu sofrimento.

Capítulo Dezoito

Desconsolada, D. Madalena foi à casa de D. Zélia dia seguinte junto com Teobaldo para ter o apoio de sua amiga. Foi quando Sara os avisou que sua mãe estava acamada, com febre alta. Então Téo e sua mãe foram ver como ela estava para darem o seu apoio.

____ O que é que ela tem? – indagou Téo a Sara ao ver o estado de D. Zélia na cama, enquanto sua mãe conversava com ela.

____ Eu não sei. O médico disse que pode ser só uma febre repentina, mas eu não sei. Ela vomitou muito hoje de manhã.

Téo ficou mudo. Ele e sua mãe passaram a tarde ali prestando solidariedade à D. Zélia.

Capítulo Dezenove

Quando chegou em casa, Téo aproveitou que seu irmão estava fora para ter uma conversa séria com sua mãe.

____ Mãe. Nós precisamos ter uma conversa.

Madalena olhou para ele, esperando ele falar.

____ Mãe, é sobre o Osvaldo que eu quero falar.

____ O que foi, meu filho? – indagou sua mãe, já prevendo o que deveria ser.

____ Mãe, você viu aqueles caras que espancaram meu pai ontem. O Osvaldo está se envolvendo com esse tipo... Eu estou desconfiado de que o Osvaldo está se metendo com traficantes daqui do morro.

____ Por que está dizendo isso, meu filho?

Téo hesitou em falar, mas falou:

____ É porque outro dia eu estava chegando do trabalho e vi ele armado, com uns bandidos aqui do morro.

Madalena tapou os olhos com as mãos, desesperada. Téo se aproximou dela e a abraçou, enquanto que nela o pranto se dava. Ele e sua mãe eram a única companhia que cada um tinha para enfrentar aquele problema.

Capítulo Vinte

As provas de vestibular chegaram e Téo, que quase não estudara devido à falta de tempo por causa do trabalho, sentiu que não se saíra muito bem.

Agora que seu pai estava fora de casa de vez, ele precisava trabalhar mais do que nunca para poder ajudar sua mãe, e também a sua amada Katina.

Porém, notava que Katina estava diferente consigo, ficava mais distante, não prestava à atenção no que ele falava e ficava conversando mais com as colegas, o deixando às vezes de lado.

Capítulo Vinte e Um

A noite se fazia fria e escura, e a única luz que havia era a da lua cheia semi-encoberta por nuvens cinzentas. Téo e sua mãe, Madalena, estavam na casa de D. Zélia prestando solidariedade à senhora, que estava acamada fazia semanas, vítima de uma virose forte. Sara, desesperada, chamava o médico do pronto socorro da cidade, mas como o número de chamadas era grande, ele demoraria para chegar. Como não possuíam um automóvel e também achavam perigoso carregar D. Zélia naquele estado morro abaixo, preferiram esperar pela chegada do médico, podendo apenas orar para que ela melhorasse.

As horas iam se passando pela noite afora atingindo a madrugada e D. Zélia, tremendo dos pés à cabeça de frio e suando de encharcar toda a roupa de cama, assustava os que estavam ali presentes, incluindo Elcinho, filho caçula dela, que ao ver o estado de sua mãe começou a berrar aos prantos, desesperado. Téo o pegou no colo e o levou até a sala, junto com Sara, para acalmá-lo.

Madalena passava a toalha sobre o rosto molhado de suor de sua amiga, que sofria na cama, em sua pobre casa, enquanto que a luz do luar entrava pela janela do quarto. Até que o médico, enfim, chegou.

Ao ver o estado de D. Zélia, logo iniciou os seus procedimentos e a examinou. Deu-a alguns medicamentos para a febre e para a dor, alguns antibióticos, mas alertou que o estado dela já era grave e a virose se alastrara pelo corpo todo, a deixando sem defesas no organismo. Devido à sua falta de tempo e tendo que atender a outras ocorrências, o doutor teve que partir, mas já deixando claro para Dona Madalena que já não havia muita coisa que pudessem fazer...

E assim, quando o sol começava a se levantar no horizonte dando fim à madrugada e àquela noite angustiante, Dona Zélia partiu deixando para trás seus três filhos.

Capítulo Vinte e Dois

A morte de D. Zélia deixara todos na comunidade abalados. Estavam tristes e também indignados pela falta e demora de um bom atendimento médico. Na Igreja todos oraram pela alma da pobre mulher que partira. Seus filhos: Ronaldo, Elcinho e Sara estavam desconsolados e tinham como único apoio o carinho de D. Madalena. Téo também estava muito abalado. Chorara o dia inteiro. Vira o sofrimento da vizinha, que sempre fora uma pessoa boa, mas que quando mais precisara de ajuda, não tivera um socorro adequado, devido à precariedade de sua situação social.

Então, sobre o alto do morro, Téo chorou olhando o pôr-do-sol no horizonte, por todos os pobres que como eles não tinham privilégios e estavam à mercê das fatalidades, enquanto que as águas do mar tinham um brilho triste como o brilho de uma lágrima que se fazia cair ao vento...

Capítulo Vinte e Três

Teobaldo estava cabisbaixo. Triste, não tinha mais ânimo para trabalhar, nem para estudar. Chegara o resultado das provas do vestibular e ele não passara. Era como se toda aquela dedicação aos estudos tivesse sido em vão.

Com tantos problemas e tristezas, ele precisava conversar com alguém, quem quer que fosse. Tentou desabafar com Katina sobre a morte de D. Zélia, mas esta apenas deu-lhe um abraço, disse umas palavras de consolo, um beijo e fora conversar com as amigas.

Teobaldo estava se sentindo sozinho. Naqueles dias, trabalhava sem vontade, deixando-se levar pelas tarefas como uma máquina sem alma, sem voz, nem coração. Era como se todos os seus sentimentos estivessem se esvaziado do seu peito. Não queria mais nada, não pensava em mais nada, não ousava dizer nada. Leve como um papel em branco que se deixava levar pela vida com o vento.

E então, teve um último encontro com seu pai, enquanto caminhava pelas ruas numa tarde cinzenta de sábado.

____ Está com uma cara de zumbi. – rosnou S. Eriberto, irônico. ____ O que foi que aconteceu? Alguém morreu? – satirizou.

Teobaldo o olhou com olhos frios, e respondeu, sem ânimo para brigas.

____ Me deixe em paz. Deixe-me passar.

____ Você pensa que é quem, hein, moleque, pra falar assim comigo? – indagou o pai dele o olhando bem fundo nos olhos. Téo não respondeu. O outro continuou: ____ Hein? Você pensa que é quem?

____ Eu só quero passar. Me deixe ir adiante.

____ Você não é nada. – cortou S. Eriberto. ____ Você não é ninguém. Só porque tem um empreguinho de merda numa lojinha de material de construção, você acha que virou gente? E a faculdade? Você conseguiu entrar? – Téo o olhou com ódio nos olhos. S. Eriberto continuou: ____ Não. Eu sei que não... E você não vai conseguir entrar nunca, sabe por quê? – houve uma pausa. ____ Porque você é um moleque arrogante, prepotente, acha que pode ser melhor do que alguém, acha que pode virar gente desse jeito.

____ Mas eu não estou dizendo nada. – interrompeu Téo.

____ Mas você não precisa dizer nada. Eu sei que você é assim... Isso está dentro de você, isso faz parte de você, você é assim desde que nasceu. Quando você nasceu já estava destinado a ser assim. Arrogante. Insolente. Prepotente.

____ Eu não sou assim. – cortou Téo em tom sério.

____ É sim! - retrucou o pai. – Você é assim sim!... Isso está no seu sangue, aí... percorrendo as suas veias, como um veneno, moleque... Você é igual à sua família!... Veja lá, o exemplo do seu irmão, o que ele me fez... me pôs pra fora de casa, e agora está lá, se envolvendo com traficantes!... E te digo mais. Que ele ainda vai morrer!

Nessa hora Téo não agüentou e disparou:

____ Cala essa boca, seu velho nojento!

Mas Eriberto o olhou fundo nos olhos, e terminou:

____ Nem você, nem ele, nem a sua mãe, nenhum de vocês vai conseguir ser nada na vida. Você... não vai chegar a lugar algum. – Téo o olhava com ódio profundo. ____ Você vai nadar, nadar e morrer na praia! – e deu uma risada, saindo andando pela rua afora.

Teobaldo guardou o ódio para si, tentando afastar a maldição daquelas palavras. E assim, seguiu seu caminho, na direção oposta.

Capítulo Vinte e Quatro

A escuridão da noite dificultava a visão enquanto ele subia as escadas do morro onde morava, após voltar de mais um dia cansativo de trabalho. O céu estava escuro, sem nenhuma estrela ou a lua para iluminar o seu caminho.

Foi quando então se surpreendeu com a figura de Rômulo, seu rival de infância que se deixara levar pelo caminho do crime, parado ali à sua frente, com uma enorme arma na mão.

____ Andando essa hora da noite por essas bandas, branquelo? – ironizou ele com um sorriso sarcástico.

Dada a surpresa e o susto por ele ter uma arma daquelas na mão, Téo ficou pálido e boquiaberto, sem reação.

____ Vai pra sua casa, vai, moleque. – ordenou Rômulo. ____ Isso aqui não é lugar pra você. Bora, anda logo, seu branquelo. Quer morrer, é?!

Téo, assustado, correu escadaria acima, deixando Rômulo com suas gargalhadas. Adentrou em casa e respirou fundo, ofegante. Sua mãe, D. Madalena, logo notou a sua palidez e perguntou o que havia acontecido. Ele contou e ela abafou indignada:

____ Esses meninos... se metendo com essas coisas... estão todos perdidos.

E então, se ouviram disparos no morro, o que os fizeram se abaixarem apavorados. Foram muitos disparos. Houve gritaria. As sirenes dos carros da polícia foram ouvidas. Mais disparos. D. Madalena, apavorada, temia pela vida de seu filho. Todo o tiroteio durou quinze minutos, de pura apreensão. No final, a polícia avisou que estava tudo terminado, e todos saíram de suas casas para e foram ver o resultado.

Alguns traficantes foram presos e levados para o carro da polícia em direção à prisão. Outros fugiram. E D. Madalena viu, entre alguns corpos no chão, o de seu filho, Osvaldo, morto, ensangüentado, para o fim de sua vida.

____ Nãããããããoo!!! – ela berrou desesperada, o pranto mais forte de sua vida a esgotar sua alma. ____ Nãããão... meu filhooo!!!...

Teobaldo estava ao seu lado, as lágrimas jorrando de seus olhos, a dor no coração.

E assim, todos assistiram chocados a cena, suas mães chorando junto aos corpos dos filhos, naquela noite trágica e infeliz.

Capítulo Vinte e Cinco

Téo estava cansado do sofrimento de sua vida. Na escola, volta e meia as lágrimas escorriam de seus olhos sem que ele pudesse contê-las. O ano letivo estava acabando e ele não conseguira passar no vestibular. Seu irmão, morto; seu pai, fora de casa sem dar ajuda; sua mãe, desconsolável. E ele, sem um futuro profissional. Agora estava sem a chance de poder fazer sua faculdade, se formar, ter um bom emprego, ganhar dinheiro. Depois que Seu Amin ficara sabendo do assassinato de seu irmão pelos policiais, o despedira da loja por não querer parentes de bandidos trabalhando lá. Estava morto e sem esperanças. Nesse dia, chorou desconsolável no ombro do caro professor Basílio que, sabendo dos problemas do pobre rapaz, fora conversar com ele para dar-lhe o seu apoio.

____ Acalme-se, Téo. Fique calmo. – dizia o professor para o seu aluno, com sua voz serena de sempre.

Mas Téo soluçava aos prantos, e desabafou:

____ Eu não tenho mais forças, professor. Eu não tenho mais forças para enfrentar a vida. Perdi todas as minhas esperanças.

____ Não diga uma coisa dessas, rapaz... Sempre há esperança quando se é jovem e se tem uma vida pela frente.

____ Mas eu não tenho mais forças, professor... Não tenho mais vontade de lutar...

____ Eu entendo o seu sofrimento, meu filho. Eu sei como é duro perder alguém que a gente ama... Eu já perdi os meus pais, e foi muito doloroso para mim. É como perder parte da gente...

____ O meu irmão... – soluçava Téo. ____ Ele não merecia morrer daquele jeito!... não daquele jeito... meu irmão sofreu muito na vida, professor...

____ Eu sei disso, meu filho... Eu sei...

____ E agora... perdi meu emprego... não vou entrar na faculdade... não vou ser um advogado como queria... não tenho mais nada...

____ Ora, mas é claro que você tem... A sua mãe, por exemplo. Você tem a ela... E a sua namorada, Katina? Você tem a ela também. Você não está sozinho.

____ Não... – disse Téo triste e magoado. ____ Eu não sei se tenho a Katina...

____ Por que você diz isso?

____ Ela está distante de mim, professor... Não me procura mais... não quer mais ficar perto de mim... está sempre com as amigas dela... eu não sei se o nosso namoro vai durar por muito tempo...

____ Ora... Mas então você precisa conversar com ela sobre isso... precisa esclarecer essa situação, saber porque ela está distante, não é mesmo?

____ É. O senhor tem razão. – disse o jovem, limpando as lágrimas do rosto. ____ Professor... me desculpe por ter alugado o senhor.

____ De maneira alguma, Téo. – respondeu o outro com tom amigável. ____ Você é o meu melhor aluno. Nunca vou deixar que fique triste assim, sem ninguém para conversar.

____ É... eu sei disso...

____ Agora, o que você tem que fazer, por você mesmo, é continuar estudando, mesmo com tudo isso que está acontecendo. Seguir sua vida adiante, entrar numa universidade, porque eu sei que você vai conseguir entrar, e nunca pensar em desistir dos seus sonhos ou seguir por cominhos tortos na vida. Ouviu bem?

____ Sim, professor... eu farei isso.

____ Eu tenho certeza de que você vencerá.

E essas foram as últimas palavras do professor Basílio para Téo, antes que o rapaz fosse conversar com Katina.

O Sol iluminava a cidade ao redor, num entardecer simbólico, e a sua luz estava alaranjada com tons de vermelho no céu, por onde pássaros voejavam...

Katina e ele estavam no cais da cidade, rodeado de embarcações, que iam e chegavam. Caminhavam por aquele local, banhados pela esplêndida paisagem do crepúsculo, levados pelo vento que vinha do mar.

Ela, com seus longos cabelos pretos a esvoaçar, olhava para ele com um brilho de tristeza no olhar. E ele, temeroso, receoso sobre o que falar, temia uma resposta de sua amada, que não gostaria de ter para si.

____ Katina, eu...

____ Téo. Eu preciso te falar.

Então Téo a ouviu com atenção.

____ Eu não posso mais enganar você... – disse ela, com os olhos marejando. ____ Você foi a melhor coisa que aconteceu em minha vida... Você foi... e vai ser sempre... o grande amor da minha vida...

____ O que você quer dizer com isso, meu amor?...

____ Eu quero te dizer que, por mais profundo que seja o meu amor por você,... nós não podemos mais ficar juntos.

Téo sentiu como se o chão desabasse sobre si. Perplexo, pôs-se a indagar:

____ Mas... do que você está falando, meu amor... Por que está dizendo isso?...

____ Porque eu vou me casar.

Téo ficou boquiaberto.

____ O quê?!... Como assim, casar?

Ela olhou para ele com um misto de pena e dor, e disse:

____ Eu conheci um rapaz de uma família rica da cidade...

____ O quê...? – Téo indagou, incrédulo. ____ Você quer dizer... que vai se casar... por dinheiro?

Katina suspirou. Olhou para o horizonte, onde estava o pôr-do-sol. Depois, retornou a olhar para Téo, que ainda estava sem entender, e continuou:

____ Eu estou cansada, Téo... Estou cansada de remar contra a maré... Estou cansada de ter que passar por dificuldade...

____ E por isso você vai se casar com um playboyzinho rico, é? Para fugir dos seus problemas?

____ Não, não é isso, Téo... Você não entende... Você já sofreu demais por causa da sua família, trabalhou por mim, deixou de estudar por minha causa...

____ Não, isso não é verdade. – disse ele.

Então ela o olhou com lágrimas nos olhos e desabafou:

____ Eu preciso ajudar minha família... Não dá mais pra esperar... Meu pai está muito doente... Não quero que ele sofra... Quero poder dar uma vida melhor pros meus pais...

Teobaldo estava se sentindo o pior dos homens naquele momento. O amor de sua vida, chorando ali na sua frente, pensando em se casar com um rapaz rico para poder ajudar a sua família, e ele nada podia fazer para fazê-la mudar de opinião, até porque ele não podia ajudá-la.

Então, foi assim que, naquela triste tarde simbólica, ele viu seu amor partir sem ele, em direção a um rumo novo em sua vida, bem distante da dele.

...

E assim, ajudando sua mãe e os homens do caminhão de mudança, Téo percebia que na vida muitas vezes era preciso que se fizessem escolhas, e algumas vezes muitas das escolhas tomadas por nós não eram aquelas que imaginávamos que tomaríamos. E que às vezes, pessoas que nos amavam, podiam optar por caminhos de sacrifício, para poderem mudar o rumo de suas vidas.

Quando o caminhão já estava cheio, ele e sua mãe se despediram de seus vizinhos, entre eles os três irmãos: Sara, Elcinho e Ronaldo, que estavam órfãos.

____ Cuide bem de seus irmãos, Ronaldo. – pediu Téo, abraçando o amigo.

____ Pode deixar. – respondeu o moço.

____ E sucesso nas suas peladas. – completou o outro, com um sorriso.

____ E você também, nos seus estudos.

Depois, foi a vez da Sara.

____ Adeus, Téo. – disse ela o abraçando carinhosa.

____ Até... Sara. – disse, com um sorriso.

E por último, foi a vez de Elcinho. Téo o carregou no colo e o fez olhar para o horizonte, onde o sol brilhava junto ao céu azul e as águas do mar.

____ E você, molequinho, você vai estudar bastante, ser um grande homem, e ajudar todas as pessoas ao seu redor.

Mas Elcinho não queria dizer nada e apenas chorava, pela tristeza de ver seu grande ídolo partir.

E assim, Téo e sua mãe se despediram da comunidade onde moravam, indo seguir por um outro caminho, num outro lugar, caminho este que não saberiam dizer qual, mas que mudaria para sempre a saga de suas vidas.

No fundo do peito, ele ainda carregava a esperança e as palavras de fé do professor Basílio, pois sabia que um dia ia vencer.

Parte Dois

Porque a esperança é a última que morre.

E a fênix renasce das cinzas... cada vez mais forte.

Capítulo Um

Teobaldo era o gerente financeiro de uma multinacional. Acabara de sair de uma reunião de negócios e caminhava pelas ruas da cidade grande, à procura do estacionamento onde deixara o seu carro.

Dirigindo pelas ruas da cidade, olhava a paisagem ao redor. Os prédios enormes, as calçadas com as pessoas andando, as ruas com suas lojas, e o céu, azul com nuvens cinzentas. Enfim, aquele ambiente urbano onde era o seu cotidiano.

Adentrou em seu apartamento, largou as chaves na mesa da sala e foi para o quarto, deixando o paletó em cima da cama. Respirou fundo, aliviado. Tirou os sapatos, deixando os pés livres. Assim, se jogou na cama, pois estava cansado e tivera um dia intenso lá na empresa. Agora só queria curtir um bom descanso e poder aproveitar que estava de folga aquele final de semana.

Então, olhou para a luz que adentrava por meio da persiana semi-aberta de seu quarto, quando vieram à sua mente algumas lembranças do passado.

Como chegara até ali, como tudo ocorrera, como lutara até o fim para que pudesse ter uma vida melhor, que agora tinha. Então foi assim que na memória os fatos foram se passando, um a um, como flashes, mostrando toda a sua trajetória...

Capítulo Dois

Téo e sua mãe haviam se mudado para um bairro distante da cidade. Ali, onde haviam poucas casas e quase não havia asfalto, eles alugaram um pequeno quitinete, onde começaram a morar.

A casa era muito humilde e mal dava para os dois. Mas como Téo começara a trabalhar de novo, no supermercado do bairro ao lado, quase não estava em casa, até porque fazia uns bicos à noite, ajudando um senhor que tinha uma lanchonete, vendendo sanduíches. Sua mãe, D. Madalena, também trabalhava, como empregada doméstica na casa de uma família de classe média alta. E assim foram tocando sua vida.

Os dois juntos ganhavam dinheiro que dava para pagar as contas da casa, e como almoçavam no trabalho, quase não tinham gastos com alimentação, o que fazia economizarem um bom dinheiro. Mas Dona Madalena, sempre que podia, preparava uma sopinha para o filho, que como sempre chegava cansado do trabalho, tarde da noite.

Teobaldo fora muito batalhador. Lutara para conseguir um emprego melhor, mas por sua falta de formação superior, quase sempre lhe recusavam, e nas outras vezes em que tinha uma chance de tentar, perdia nas entrevistas para outros candidatos, pois eram muitos e mais qualificados do que ele.

Bancos, hotéis, grandes empresas privadas, em todas elas ouvia um não. Mas mesmo assim, Teobaldo não desistia de lutar. E assim lutou por muito tempo.

Até que um dia, a sorte sorriu para si.

Capítulo Três

Após meses de trabalho intenso, Téo não agüentava mais tanto esforço e já estava com os nervos à flor da pele. Sentia fortes dores na cabeça, cansaço físico e mental, e não tinha mais ânimo para fazer nada. Os estudos, que antes eram a sua marca, ficaram completamente para trás. Agora ele só tinha tempo para trabalhar para poder sustentar a si e sua mãe.

Dona Madalena pedia para Deus ajudar seu filho, que estava muito cansado pelas agruras da vida, e orava silenciosamente todas as noites, antes de dormir, para que Deus iluminasse o caminho de Teobaldo e lhe desse uma oportunidade de realizar o seu sonho, que era entrar numa faculdade, para conseguir um futuro melhor, futuro este que ela não tivera oportunidade de ter.

Téo deixara de fazer os seus bicos noturnos, a pedido de sua mãe, e agora se limitava ao trabalho no supermercado do bairro ao lado, o qual por si só já era o suficiente para deixá-lo exausto. Ele já estava à beira do colapso nervoso e sua mãe, preocupada, pensou numa forma de poder ajudá-lo.

Então veio à cabeça dela a idéia de vender sua pobre casa no morro, onde haviam morado. Com o dinheiro certamente poderia pagar parte da faculdade do seu filho. S. Eriberto com certeza não voltara para lá, porque fora expulso da comunidade pelos traficantes. Com isso, poderia ir até lá e pôr o imóvel à venda, já que este pertencera ao seu falecido pai e ela era a única herdeira dele.

E assim, ela e Téo, que estava sob o efeito de calmantes receitados por um médico há algumas semanas devido ao seu estresse, foram até o morro onde moraram e se depararam com uma cena inesperada.

Uma estranha família estava morando em sua casa. Eles indagaram o que estava acontecendo e o senhor responsável pela família respondeu que eles haviam comprado a casa. Dona Madalena não conseguiu entender como e pediu-lhe que mostrasse a documentação que comprovasse a compra.

S. Eriberto conseguira vender a casa de seu pai, e no documento constava ele como único dono. Então ela lembrou-se que ele uma vez a fizera assinar um documento que ela não tinha lido para saber o que era. Lembrando desse fato, ela chorou de raiva de si mesma, e desceu morro abaixo, a sair dali.

Mas Téo ainda ficou um pouco, a mente vazia sem forças para pensar muito, devido ao efeito do calmante. Foi quando surgiu à sua frente a figura de Rômulo, que com um sorriso diferente no rosto, falou:

____ Andando por aqui de novo, loiro? O que está fazendo aí parado?

Ele estava vestindo roupas de marca, tênis, relógio caríssimos e um cordão de ouro no pescoço, o que fez Téo imaginar como ele havia conseguido comprar aquilo.

____ Ainda estudando muito, branquelo? Pensa que vai conseguir chegar a algum lugar com isso?

Téo olhava para ele, calado.

____ Tá vendo o que eu conquistei pra mim? – e mostrou suas roupas, seus acessórios. ____ Isso tudo aqui é meu. E ainda tenho muito mais guardado. Agora eu sou o dono disso tudo aqui. – e apontou para o morro e suas casas. ____ Posso ter o que eu quiser. Carro, mulheres, casa, tudo. E você, o que você conseguiu com estudo? Nada.

Teobaldo o ouvia sem dizer nada, calado. Com a morte de Tito pelos policiais, ele podia imaginar que Rômulo agora seria o novo chefe do trá fico no morro e por isso que estava falando aquilo. O outro continuou:

____ Mas você também pode ter tudo isso se você quiser. – Rômulo falou. ____ Basta você aceitar o meu convite para trabalhar para mim.

Téo pensou por um instante naquela possibilidade. Com os problemas pelos quais estava passando junto de sua mãe, aquela seria uma alternativa que o livraria de todos. Porém, lembrou do jeito como o irmão morrera, o quanto sua mãe sofrera, e preferiu não dar aquele gostinho de vitória para Rômulo, dizendo:

____ Obrigado pelo convite, mas eu tenho que ir agora.

Rômulo sorriu, sarcástico, com ar de vitorioso, e acompanhou Téo até que ele sumisse de sua vista morro abaixo...

...

Desesperançosa, Dona Madalena deixava-se levar pela depressão e Téo, que já estava à base de calmantes, nada podia fazer para ajudá-la. Até que dia, foi até uma loja de material de construção do bairro para comprar uma torneira nova para a pia da cozinha, pois a antiga havia quebrado. E assim, recebeu um convite do dono dela para ele trabalhar lá, ajudando-o na administração da loja, pois o dono vira que Téo tinha experiência anterior e estudo para isso. Como o salário era muito superior ao que recebia trabalhando no supermercado, Téo aceitou e foi logo contar a noticia para sua mãe, que ficou orgulhosa.

E assim, Seu Jorge, o dono da loja, foi adquirindo confiança em Téo que, mostrando-se capaz na administração da loja, recebeu um convite do patrão, o qual sabia do sonho do rapaz de poder fazer uma faculdade.

____ Eu vou pagar a sua faculdade para você, Teobaldo.

Téo ficou boquiaberto, sentindo as pernas balançarem pela notícia inesperada.

____ O que você tem vontade de fazer? – indagou Seu Jorge.

____ Eu tenho vontade de ser advogado. – respondeu Téo um pouco envergonhado pela pergunta.

Seu Jorge o olhou e um brilho intenso se passou pelo seu olhar. Se aproximou do rapaz e disse:

____ Eu sempre tive vontade de fazer uma faculdade de administração. Mas nunca tive dinheiro para pagar quando estava na sua idade, e depois, nem tive tempo de fazer. Agora, que estou velho, penso que seja tarde demais.

____ O senhor ainda é novo, Seu Jorge. – disse Téo, apoiador.

Seu Jorge sorriu:

____ Não... Eu já não tenho mais idade nem cabeça para estudar isso... Mas você, meu jovem, você ainda tem muita vida pela frente. E é por isso que eu quero que você faça essa faculdade, porque quero ver você se formando do jeito que eu quis, mas não pude me formar. E quero que você seja um administrador de empresas, não só para me ajudar aqui na loja, mas também para ter o seu futuro garantido, aonde quer que você vá.

Téo olhou para seu patrão, confuso, e ao mesmo tempo, surpreso, pensou no que responder. Sempre pensara em ser um advogado, lutar pela causa dos pobres, mas agora ali o Seu Jorge lhe dava a oportunidade de se formar, só que num curso diferente do que ele desejara. Pensou bem na oportunidade que lhe estava sendo dada, que poderia ser a única em sua vida, e viu que não podia recusar, mesmo não sendo aquela que ele havia planejado durante toda a sua vida. E assim, no mesmo dia, disse para Seu Jorge que aceitava o presente, com muita gratidão.

Quando chegou em casa, sua mãe vibrou com a noticia e juntos comemoraram aquele que podia ser o caminho para a vitória. Sozinho em sua loja, Seu Jorge pôs-se a refletir sobre o que fizera e sorriu satisfeito. Sabia que Téo tinha aptidão para o mundo dos negócios, pois havia demonstrado aquele tempo todo o ajudando na administração de sua loja. Sabia que havia escolhido o caminho certo para Téo, o caminho que lhe daria a vitória.

E assim, a Téo foi dada a guinada inicial para a sua escalada na vida.

Capítulo Quatro

Os anos foram se passando e Téo finalmente conseguira se formar. Com muito esforço, é claro, pois tinha que conciliar os estudos com o trabalho e ter que tirar boas notas para ter um bom currículo.

E assim, chegou a hora em que ele teve que se despedir de Seu Jorge e seu trabalho na loja de material de construção.

____ Seu Jorge. – disse Téo emocionado pela despedida e por gratidão ao senhor. ____ Sei o quanto o senhor fez por mim. – Seu Jorge o ouvia calado, também sentindo a emoção de ver seu jovem empregado, a quem considerava como um filho, se despedir. A vida não lhe dera oportunidade de ter filhos, por isso depositara esse desejo de ser pai em Téo, cujo esforço e a dedicação ele sempre admirara e se orgulhara. Téo continuou: ____ Sou muito grato ao senhor... por ter me dado a oportunidade de mudar minha vida. Jamais me esquecerei de tudo o que fez por mim.

Seu Jorge, já sentindo as lágrimas começarem a cair dos seus olhos, não se deteve a palavras naquele instante e abraçou Téo, como um pai a abraçar seu filho. Nesse instante, Téo, que estava mais adulto, com sua fisionomia mais madura, sentiu também uma emoção forte no peito a tomar conta de si, e as lágrimas começarem a encher os seus olhos.

Para ele, S. Eriberto nunca fora seu pai, porque nunca o tratara como um filho. Na verdade, nunca tivera um pai e sim um carrasco que só maltratava a todos dentro de casa, e quando mais precisaram os abandonara e passara a perna neles, vendendo a casa que era a única coisa que tinham. Por isso considerava S. Jorge como seu pai, porque fora o único que realmente o fizera se tornar uma pessoa melhor, mais forte para enfrentar a vida, com mais sabedoria. Era grato a ele por tudo. Por isso era tão difícil a despedida.

Mas Téo tinha outros planos para o futuro e S. Jorge sabia disso. Téo conseguira passar numa rigorosa seleção para trabalhar numa multinacional sediada no Rio de Janeiro e como era um grande sonho seu poder trabalhar numa grande empresa, não podia perder aquela oportunidade. E Seu Jorge sabia disso e o incentivava, apoiador.

Mas agora estava no momento da despedida e Téo não tinha mais nada a dizer. No final, foi Seu Jorge quem falou, com seu ar paternal:

____ Vá com Deus, meu filho.

Téo retribuiu a benção com um olhar cúmplice e de gratidão. E assim, partiu em seu novo caminho, para um destino que lhe traria uma nova oportunidade de nascer e ser feliz.

...

Téo andava pelas ruas da cidade grande, cercadas por seus suntuosos edifícios, suas ruas lotadas de gente que corriam com seu tempo para manterem o funcionamento do sistema.

Olhou para o alto, onde pôde ver o topo dos arranha-céus em contraste com o céu azul, os barulhos ao redor zumbindo em seus ouvidos. E concluiu para si mesmo que aquele agora era o seu mundo.

Capítulo Cinco

O dia estava ensolarado e o céu azul anil sem nuvens, quando Téo partiu para o seu primeiro dia de trabalho.

As ruas estavam agitadas com um monte de pessoas andando para lá e para cá e ele, apressado, tentava achar o prédio que estava procurando, onde estava a sede da empresa para a qual começaria a trabalhar. Muitos carros passavam, o que dificultava a travessia e o atrasava ainda mais. Até que então, olhou para o alto e viu um prédio enorme com a fachada de vidro escuro e notou que o número era o mesmo que lhe descreveram. Havia chegado no prédio da empresa. Sentiu o coração bater forte e a emoção subir à cabeça.

Adentrou nele, com as pernas tremendo um pouco de nervoso, e passou pelo saguão principal, pegando o primeiro elevador para o vigésimo andar. Dentro do elevador, estava só com algumas pessoas, todas com as fisionomias sérias sem dizerem uma palavra, vestindo trajes sociais como ele.

Como o elevador era rápido e houveram poucas paradas, logo chegou ao vigésimo andar. Olhou para o seu relógio e viu que eram oito em ponto. Chegara meia hora adiantado. Sorriu, satisfeito consigo mesmo.

Logo uma bela moça o acompanhou até a sala do diretor que lhe deu as boas vindas e o apresentou ao seu chefe imediato, o gerente de finanças, de quem Téo seria o assessor. E assim, um pouco nervoso, mas bastante entusiasmado, ele teve o seu primeiro dia de trabalho na empresa.

...

Com o passar dos meses, Téo foi se adaptando ao ritmo daquela empresa e fazendo amizades com os funcionários, criando assim um bom convívio social, sempre recebendo elogios do seu chefe, o gerente financeiro, pelo seu bom desempenho e esforço nas tarefas que ele desempenhava.

Até que certo dia, devido à demanda em uma filial da empresa em outro estado, o gerente financeiro teve que ser transferido, deixando o seu lugar para Téo ocupar. E então, em menos de seis meses de trabalho na empresa, ele subiu de posto tornando-se o gerente financeiro.

Essa era uma tarefa que exigia muita responsabilidade e confiabilidade por parte dele, porque a sua função era atender às expectativas e necessidades dos acionistas da empresa. E naquela tarde, eles teriam uma reunião de negócios para falarem sobre as ações da empresa junto ao mercado financeiro.

Logo que chegara de manhã ao trabalho, Teobaldo estava um pouco nervoso. Sentou-se em sua cadeira e começou a preparar um relatório para apresentar aos acionistas, quando Vanessa, sua amiga de trabalho, indagou:

____ Téo, você está passando bem? Parece estar pálido... tem se alimentado direito?

Téo passou a mão na cabeça e suspirou: ____ Não, está tudo bem... Só estou um pouco nervoso. Vai ser a minha primeira reunião com os acionistas... e ainda não sei bem o que vou falar.

Nessa hora surgiu Mauro, seu outro parceiro no mundo dos negócios, que com seu sorriso descontraiu o ambiente:

____ E aí, meu camarada? Muito trabalho por hoje? – indagou ele. ____ Fica tranqüilo, vai dar tudo certo. Você vai ver. Os caras são gente fina.

____ É, gente fina né, eu só quero ver... – Téo gracejou.

____ Téo, se você quiser eu te ajudo a preparar o relatório. – ofereceu Vanessa.

____ É, é uma boa idéia. – concordou Mauro. ____ Eu também posso ajudar.

____ Poxa... vai ser um alivio para mim. Não estou conseguindo escrever quase nada, e não sei nem o que vou dizer... – confessou Téo.

____ Fica tranqüilo, nós vamos te ajudar. – falou Mauro.

____ É, deixa eu só terminar um trabalho que estou fazendo aqui no computador. – disse Vanessa. ____ Que já, já, eu te ajudo.

E assim, depois que ela terminou seu trabalho, os três juntos prepararam o relatório para os acionistas, o qual foi muito bem aplaudido por eles, fazendo Téo assim conquistar a confiança dos donos da empresa, graças aos seus amigos Vanessa e Mauro, que tanto lhe ajudaram desde que ele entrara na empresa.

ara os acionistas, o qual foi muito bem aplaudido por eles, fazendo T indagou:

, porque a sua funçao u lugar para T ele desempe Saiu do prédio da empresa satisfeito. Andou pelas ruas movimentadas à procura do estacionamento onde deixara o seu carro. Queria chegar logo em casa, deitar em sua cama e descansar. Combinara de sair com Vanessa e Mauro à noite.

E foi assim que, de repente, avistou a foto de uma pessoa conhecida na capa de um jornal regional, muito pouco lido. Nele pôde ver e reconhecer a figura de Katina, ao lado de seu marido e filhos, num evento de negócios da região. Tentou não se impressionar com aquilo e seguiu seu caminho em direção ao estacionamento.

Pegou seu carro e deu partida pelas ruas da cidade, cheias de gente de todos os tipos. Chegou em seu apartamento, largou as chaves na mesa da sala e adentrou em seu quarto. Largou o paletó na cama, tirou os sapatos e se jogou para trás, cansado, respirando fundo. E foi assim que terminaram suas lembranças do passado, retornando de volta ao presente.

Capítulo Seis

O sol do entardecer iluminava suavemente o quarto pela pequena brecha que havia na persiana da janela. Téo ainda estava deitado em sua cama, tirando um cochilo profundo. Quando de repente o telefone tocou e ele foi atender. Era Mauro, querendo confirmar a saída aquela noite.

____ E aí meu camarada, ainda muito cansado da reunião de hoje? Ou já deu pra superar isso? – gracejou Mauro.

____ Ha, ha... – riu Téo. ___ Já estou melhor. Tirei um cochilo agora a pouco, deu pra descansar bem.

____ Ah, então tá beleza... Mas então, vambora hoje pra night? Está rolando uma festa maneira numa boate aqui perto.

Téo coçou um pouco a cabeça, pondo-se a pensar. Estava cansado do dia exaustivo que tivera, mas precisava sair para espairecer um pouco. Ver a foto de Katina ao lado de seu marido e filhos não o fizera bem. Precisava se distrair, sair, dançar, ver gente bonita e interessante. Não queria pensar no passado agora. Então aceitou o convite de Mauro e disse:

____ Ok. Quando for mais ou menos meia noite eu passo aí e você me explica aonde que é a boate. – confirmou.

____ Ok. Tudo certo então. A Vanessa vai estar esperando lá. Ela vai levar umas amigas gatas com ela. A noite vai ser boa, rapaz!

Téo riu, divertido. E assim, desligou o telefone e foi tomar um banho.

Enquanto o tempo passava, pensava na foto que vira no jornal. Katina estava realmente casada e já tinha dois filhos. Sentiu uma tremenda revolta, uma mágoa, um ressentimento por ela tê-lo abandonado por causa de sua condição social. Estava bem vestida na foto, sorridente e aparentemente feliz. Era isso o que o dinheiro podia fazer, pensava ele. Então era por isso que ele ia correr atrás. Para ter muito dinheiro e poder um dia jogar na cara dela que ele também era rico e feliz, e quando esse dia chegasse, ele também estaria ao lado de sua mulher, que não seria ela, e que estaria muito mais bem vestida e muito mais sorridente do que ela.

E foi assim que aquela noite ele partiu para a noitada, com seu carro, seu dinheiro, sua independência, prometendo a si mesmo que ia ser muito feliz.

Capítulo Sete

Téo e Mauro entraram na boate e logo procuraram por Vanessa. O lugar estava cheio de gente bonita e descontraída, as luzes no teto se faziam refletir nos corpos dançantes. Deram uma volta pelo local até que avistaram ela com suas amigas, todas com um copo de drinque na mão. Os dois as cumprimentaram e entraram naquela roda entre as amigas. Todos se divertindo e aproveitando aquela noite, que prometia ser boa, muito melhor do que já era.

____ Dança, Téo! Dança! – dizia Vanessa em meio à música, enquanto todos dançavam.

Téo também dançava discretamente ao som da música, acompanhando com o olhar uma das amigas de Vanessa. “Como ela é gata!”, pensou ele. A moça também correspondia ao olhar, dando um leve sorriso para dizer que também estava afim dele.

E assim a noite foi passando, ele tomou alguns drinques e quando foi ver, estava no seu carro com a moça levando ela para o seu apartamento. Como morava sozinho, não se deteve a cerimônias e logo a agarrou na porta de entrada. Ela tirou a camisa dele, também fogosa e levemente embriagada, e ele seguiu adiante, deixando-a toda despida.

Entre amasios, ela o puxou para o quarto e quando caíram na cama, liberaram todos os seus desejos, numa noite quente que os fizeram suar de prazer.

Sendo assim, quando a manhã chegou, ele acordou bem acabado e levou um susto ao vê-la ao seu lado na cama. Mal conhecia aquela mulher, nem lembrava direito do seu nome. Pensou no perigo que poderia estar correndo, caso ela pudesse ter roubado algo seu enquanto estivesse dormindo. Mas por seu maior alívio ela era amiga de Vanessa, e por este fato indicava que era uma pessoa de confiança.

Olhou para ela, adormecida ao seu lado, com os cabelos despenteados. Era uma mulher bonita, mas não servia para ele, pensou. Uma mulher que aceitava ir para a cama logo na primeira noite era porque não se preocupava em manter uma postura séria, que pudesse lhe transmitir confiança.

Então na mente veio a lembrança de tantas outras mulheres que ele levara ao seu apartamento, com as quais sempre tivera apenas uma noite de prazer e nada mais. E com aquela ali não seria diferente.

Assim, logo que ela acordou, ele a chamou para tomar café-da-manhã. Depois, esperou ela se arrumar e a levou para casa, prometendo ligar para ela para marcarem um novo encontro, coisa que não faria.

Ele sempre se sentia um pouco mal quando conhecia uma mulher com quem tinha apenas uma noite de relação. Dentro do seu peito, ainda faltava algo a ser preenchido e que só uma noite de prazer não era capaz de preencher. Pensava se, naquela cidade grande, ele encontraria uma mulher que despertasse o seu amor como Katina despertara um dia. Mas naquele instante ali, dirigindo seu carro de volta pra casa, ele não queira pensar naquilo. Só queria descansar um pouco mais da noite agitada que tivera e da semana de trabalho intenso que passara.

Ao chegar em casa, sentou-se no sofá da sala e pôs-se a pensar um pouco.

Sentia-se muito sozinho ali naquele pequeno apartamento. Às vezes sentia falta daquela presença feminina, que tinha o dom de cuidar melhor das coisas, a dar apoio, companhia, aconchego, assim como sua mãe lhe dava. Pensou nela, em como ela estaria sozinha em Angra. Ele tanto a chamara para morar com ele, depois que se mudara para o Rio de Janeiro por causa do trabalho, mas ela recusara, porque estava acostumada com a cidade pequena. Fora criada e vivera a vida toda por lá. Seria muito difícil para que ela se acostumasse com o ritmo da cidade grande. Barulhento, cheio de gente, sem segurança nem tranqüilidade para sair nas ruas. Até ele mesmo, que era mais jovem, demorava a se acostumar. Por isso a entendia e a deixava ficar lá, dando-a um dinheiro para que ela pudesse se manter.

Mas mesmo com a solidão, com a falta que sentia de sua mãe e a saudade da paz de sua terra natal, ele sabia que tinha que ficar ali e persistir em seu caminho, pois já havia chegado longe demais para desistir por algum motivo que fosse.

A sua batalha na vida estava só começando. Sabia que podia ir muito mais além.

Capítulo Oito

O ambiente estava agitado aquele dia na empresa. Ele, Vanessa e Mauro conversavam animados sobre o último fim de semana. Ao lembrar dos momentos que passaram juntos naquela noite na boate, riram.

____ Nossa, como eu bebi cara! – relatou Mauro.

____ Só você? – disse Téo. ____ E eu, que nem sabia com quem estava dançando, o que estava fazendo...

Mauro riu em concordância. Vanessa contou:

____ Olha, gente, mas eu garanto que vocês não beberam mais que a minha amiga, aquela ruiva... Ah!...

Téo e Mauro apontaram, concordando.

____ É, é verdade! – disseram os dois. Mauro falou: ____ Nossa, aquela sua amiga, hein, é uma tremenda cachaceira!

Téo riu. Vanessa fez uma cara feia por ele falar daquele jeito de sua amiga, mas depois não agüentou e acabou rindo também.

____ E ela quase que me pegou, ali na frente de todo mundo! – Mauro completou.

Ele ia continuar a conversa, contando mais um gracejo, mas a secretária do diretor da empresa surgiu e se dirigindo para os três, avisou:

____ O senhor Euclides está chamando vocês para irem até a sala dele, assim que puderem. Ele tem uma notícia importante para lhes dar.

Nessa hora, Carlos, que trabalhava junto com eles naquele departamento, prestou a atenção em seus olhares e indagou para si qual seria o motivo daquela chamada do diretor. Por certo, ele iria dar uma bronca nos três, por ficarem conversando no trabalho, torceu. Mas se fosse uma notícia boa, ele ia tratar de saber de alguma forma. Naquele instante, a curiosidade tomou conta de si, mas ele não pôde fazer nada. Somente os três puderam entrar na sala do diretor.

Téo, Vanessa e Mauro até estavam um pouco apreensivos, porém foi só até o Seu Euclides começar a falar o que queria que os três foram se acalmando.

____ Teremos um Congresso de Negócios daqui a uns dois meses e, durante esse período, eu quero que você, Mauro, e você, Vanessa, com as suas genialidades, preparem como será a apresentação da nossa empresa no Congresso. Este vai ser o maior da região e terá a presença de figuras importantes como o Ministro da Fazenda e representantes do Banco Central. – e se dirigindo para Téo, continuou: ____ Mas agora, eu quero falar diretamente para você, rapaz. – Téo o ouvia atentamente. ____ Qual a sua disponibilidade para uma viagem a trabalho?

Téo logo respondeu:

____ Eu tenho total disponibilidade, senhor.

____ Você estaria preparado para fazer uma viagem de aprendizado no exterior?

____ C-como? – gaguejou Téo, surpreso com a pergunta.

Seu Euclides se levantou da cadeira, sentindo que a emoção ia ser forte para o rapaz, e contou-lhe:

____ Os acionistas gostaram muito da sua apresentação de semana passada. Eles acham que você tem um bom potencial para o mundo dos negócios. Por isso, eles querem que você aperfeiçoe os conhecimentos que você possui sobre o mercado financeiro. Eles querem que você estude com os melhores investidores das bolsas de valores de Nova York. Por isso, eles estão lhe oferecendo uma bolsa de estudos de dois meses para você ir para os Estados Unidos estudar com os melhores profissionais do mercado financeiro, do mundo.

Téo arregalou os olhos, incrédulo. Não conseguia acreditar. Vanessa segurou a mão do amigo, sorridente, feliz por ele e disposta a apoiá-lo.

____ Você aceita? – S. Euclides perguntou.

Téo, ainda abobado pelo que escutara, não conseguiu responder de prontidão, e foi logo aconselhado por sua amiga que vibrava ao lado dele:

____ Aceita, Téo! – disse ela sorrindo. ____ Essa é a sua grande chance! Você vai poder estudar nos Estados Unidos!

Nessa hora, Mauro pousou a mão sobre o ombro dele, declarando:

____ É, meu caro amigo, dessa vez você se deu bem, hein. Eu, se fosse você, não perderia essa oportunidade por nada deste mundo.

____ Ouviu, Téo! – disse Vanessa. ____ Aceita!

Téo então, impulsionado pelas palavras de fé de seus amigos, olhou fundo nos olhos do diretor, e respondeu-lhe:

____ Sim. Eu aceito, sim, senhor. Com muito prazer.

____ Ééé! Vivaaa!!! – exclamou Vanessa a abraçar o amigo contente.

Mauro também o abraçou, dando tapinhas em suas costas e falando palavras de gracejo, a entusiasmar o amigo. E assim os três saíram da sala do diretor contentes e felizes. Téo nunca imaginara que aquilo um dia ia acontecer. Viajar para o exterior! Conhecer os Estados Unidos! Era muita emoção. Indagado pelos outros colegas de trabalho qual era o motivo de tanta alegria, eles logo responderam contando o que havia sido dito na sala do diretor. Todos deram os parabéns a Téo por mais aquela conquista. Em pouco tempo, ele vinha conquistando seu espaço dentro da empresa, pelo seu histórico de vida, pela sua dedicação e pelo tipo de pessoa que era: humilde e educado a todos. Tudo isso para despeito de Carlos, que o invejava desde que ele entrara na empresa e subira de posto rapidamente.

Porém, naquela hora ali, Téo não queria saber do despeito de quem quer que fosse. Só queria aproveitar e comemorar a sorte lhe dada junto com os seus amigos. Ia viajar! Conhece outra parte do mundo! E ainda poder aprender com aquilo. Talvez ele fosse o único ali que ainda não havia conhecido outro país além do Brasil. E era por isso que ele dizia entusiasmado, com um sorriso eufórico:

____ Eu vou para os Estados Unidos!!!

Teobaldo vai para os Estados Unidos.

Capítulo Nove

Por cima das nuvens, Téo via o sol iluminando o céu azul límpido, da janela do avião. Aquela paisagem magnífica lhe dava a sensação de liberdade, alegria, merecimento. Era como se durante toda a sua vida esperasse por aquele momento. Como se toda a luta que enfrentara fosse para ter aqueles instantes um dia. Nada mais existia. As cidades, o mundo, as pessoas, tudo ficara pequeno demais ali para ter alguma importância. Ele estava no céu...

Nunca viajara de avião antes. Aquela era a primeira vez. Imaginava como que um garoto pobre, que nascera e crescera numa favela numa cidade interiorana, poderia estar ali naquele topo, nas alturas, na imensidão do céu azul, indo para a América. Ele conseguira. Ele vencera na vida.

Logo as horas se passaram e ele avistou um mar de prédios abaixo, enquanto que o avião desceu e aterrissou no aeroporto de Nova York. Quando desceu do avião e olhou para aquele céu azul de verão, respirou fundo sentindo o ar do extremo norte do mundo. Estava nos Estados Unidos!

A cidade, com seus prédios enormes, suas calçadas cheias de gente e as ruas cheias de carros, era extraordinária. Ali tudo parecia bem coordenado e bem diferente do que estava habituado a ver. Não havia lixo nas ruas, tudo era bem limpo e conservado. Havia respeito com a sinalização, os carros paravam automaticamente quando tinha algum pedestre na faixa. Enfim, tudo funcionava perfeitamente. Aquele era o primeiro mundo. Estava em Nova York. E assim, ao longe, pode avistar, a Estátua da Liberdade, à beira do mar azul esplêndido.

Seu apartamento tinha uma vista privilegiada para uma das principais avenidas da cidade, onde tinham alguns edifícios famosos. Ali ele desfez sua mala e guardou seus pertences no armário. Depois, olhou para a vista lá fora. O sol radiante, iluminando a fachada daqueles prédios imensos, e ele ali naquele lugar, em um outro país, nos Estados Unidos. Não conseguia acreditar. Parecia um sonho. Mas era real. Ele estava mesmo ali, no centro do mundo, onde tudo acontecia. Então decidiu aproveitar que não ia começar o curso aquele dia para caminhar pelas ruas da cidade, a fim de conhecê-la um pouco melhor.

Pediu algumas informações ao recepcionista do hotel sobre alguns pontos turísticos e em seguida partiu dali.

Então, andou pelas ruas, entusiasmado, pegou um ônibus que o levou até uma marina próxima à Estátua da Liberdade. Lá entrou numa embarcação, junto com outros turistas e visitantes do local, e deu um passeio pelas águas reluzentes até a Estátua, enquanto que o vento balançava os seus cabelos e o refrescava do sol quente de verão. Sorria, feliz.

...

Durante os dias que ficou lá, Téo visitou vários lugares, entre eles a Bolsa de Valores, onde fez muitas amizades, aprendendo coisas importantes para a sua vida profissional. No curso, ele aprimorou os seus conhecimentos sobre o mercado financeiro, tornando-se mais um especialista dessa área.

E assim foram os dias em que ele passou nos Estados Unidos, dias felizes em que ele aproveitou cada minuto, um sonho que ele jamais imaginou que pudesse acontecer. A felicidade e o sentimento de vitória inundavam o seu coração.

Capítulo Dez

O avião aterrissou no aeroporto no Rio de Janeiro. O sol estava queimando e quando Téo saiu do avião, sentiu o gostinho de estar de volta ao seu belo país de origem, o Brasil. Agora era um novo homem. Sentia-se mais forte, mais experiente, para enfrentar os problemas da vida e ter mais garantido o seu espaço no mercado de trabalho. Estava feito na vida. Isso lhe dava uma sensação de liberdade que jamais sentira antes. Agora podia olhar para a vida com um pouco mais de tranqüilidade.

Foi assim, com uma expressão leve no rosto, que ele foi andando pelo saguão do aeroporto, a procurar por uma cabine de táxi, quando seus olhos azuis se depararam com uma figura conhecida.

E lá estava ela, com um vestido claro estampado, seus cabelos longos e cacheados, aquele olhar forte e o sorriso suave que só ela tinha. Então, Téo foi se aproximando, sem que ela pudesse vê-lo, e quando chegou bem próximo, exclamou:

____ Sara!

Ela virou para o lado e incrédula, falou:

____ Téo! É você?!

Téo então esboçou um sorriso, alegre de ter reencontrado a amiga de infância, e disse:

____ Sara, como você está bonita!

____ Oh, Téo! – disse ela que, passada a surpresa ao vê-lo, pôs-se a abraçá-lo com carinho. ____ Como é bom ver você! – então ela olhou bem para ele e disse: ____ Nossa, como você mudou! Está diferente! Mais adulto, mais bonito!

Téo sorriu, ruborizado. Como sempre, Sara tinha o dom de fazê-lo ficar daquele jeito.

____ E como você está? – ela perguntou. ____ Como está indo a sua vida, o trabalho, o estudo?

____ Eu acabei de vir dos Estados Unidos. – disse ele contente.

____ Dos Estados Unidos?! – exclamou ela, surpresa. ____ Você foi passear lá?!

____ Não. – riu ele. ____ Eu fui fazer um curso lá. Um curso do trabalho. A empresa onde eu trabalho que me levou pra lá.

____ Nossa, que legal, Téo! – falou ela com carinho. ____ Que bom que você conseguiu alcançar os seus objetivos! Estou muito orgulhosa de você!

Nessa hora, os olhos de ambos marejaram com um brilho intenso. Ambos sabiam da dificuldade que tiveram no passado. Então Téo logo perguntou:

____ E você, o que está fazendo aqui? Vai passear, é? – gracejou.

____ Não. – riu ela. ____ Na verdade, acabei de chagar da Bolívia. – Nessa hora, Téo se surpreendeu. ____ Eu também fui a trabalho. Me formei em técnico de petróleo e gás, e desde então trabalho na Petrobrás.

____ Na Petrobrás? – exclamou Téo, ainda surpreso. ____ Nossa, você conseguiu subir na vida! Mas que bom, Sara! Eu estou até surpreso! Na verdade, eu nunca poderia imaginar que você iria trabalhar na Petrobrás e ser técnico de petróleo e gás...

Sara sorriu com as palavras de Téo, e confessou:

____ É, nem eu imaginei que um dia fosse ser assim. Aquela menina que ia à Igreja sempre, recatada, que um dia fosse chegar até aqui.

Téo ficou olhando para ela, os olhos brilhando, admirando a beleza dela, a postura, a sua mudança na vida.

____ Na verdade, eu ainda continuo indo à Igreja. – disse ela. ____ Com menos freqüência, por causa do trabalho, mas sempre que posso eu vou. Afinal, foi lá que eu tive o apoio e o incentivo para correr atrás dos meus objetivos.

____ É, imagino... – ele declarou.

____ Às vezes paro pra pensar nisso. Muitas pessoas não imaginavam que eu fosse conseguir. Uma mulher, sozinha, sem mãe nem pai, chegar um dia a trabalhar na Bolívia, pela Petrobrás!

____ É. – concordou Téo, bastante admirado. ____ É realmente uma vitória.

Naquele instante, ele sentiu um orgulho muito grande por Sara, por ela não ter desistido de lutar na vida, mesmo sem a presença da mãe e do pai para estar por perto a apoiá-la, e ainda ter que cuidar dos seus dois irmãos que, homens, não sabiam se virar sozinhos sem a presença de uma mulher para cuidar da casa. Naquele momento sentia que um desejo muito forte tomava conta de si, misturado à admiração, uma atração forte que nunca sentira antes por ela, mas que passava a sentir, vendo-a tão bonita e sorridente.

Para tentar se desvencilhar de tais pensamentos, ele continuou a conversa:

____ E os seus irmãos? O Elcinho, o Ronaldo, como eles estão?

____ Ronaldo virou jogador de futebol. – disse ela com certa graça. ____ Está jogando por um time do Rio, está ganhando bem, mas ainda falta muito para chegar à Seleção. – ela sorriu.

Téo sorriu. Seu amigo de infância sempre sonhara em ser um jogador oficial, pelo menos isso ele conseguira.

____ E o Elcinho? – ele indagou.

____ O Elcinho está morando com a nossa avó e está prestando vestibular agora.

____ É mesmo? Que bom! – exclamou Téo, feliz por saber que todos os seus amigos estavam bem, seguindo seus caminhos na vida.

A conversa com Sara durou mais um bom tempo. Os dois trocaram telefones e marcaram de sair algum dia para conversarem mais. E assim, Téo pegou um táxi e chegou em seu apartamento. Arrumou suas coisas no armário e descansou um pouco da longa viagem.

Os seus dias seguintes foram só de alegria. No trabalho, Vanessa e Mauro lhe perguntavam como fora tudo em detalhes, o que ele havia aprendido, os lugares que conhecera, enquanto Carlos, o seu despeitado colega de trabalho, ficava atento às conversas sem dizer nada.

O seu salário aumentou. Agora ele era mais requerido do que antes, e tudo o que fazia era mais valorizado e aceito. Os acionistas estavam satisfeitos com o investimento que fizeram nele. Tudo estava indo de vento em polpa.

____ E as paqueras, Téo? – indagou Vanessa certa vez. ____ Não teve nenhuma paquera por lá?

Téo ficou um pouco ruborizado e respondeu:

____ Nos Estados Unidos, não... Mas aqui no Brasil, eu encontrei com uma pessoa que não via há muitos anos.

Vanessa e Mauro se olharam, com uma pitada de malícia, e ela falou:

____ Humm... Uma garota do passado. Só que agora já deve ser uma mulher, certo?

____ É, sim. E que mulher! – Téo exclamou, deixando escapar.

Vanessa e Mauro riram. Mauro então falou:

____ Isso mesmo, meu camarada. Esse sim é meu amigo.

____ E você chamou ela pra sair? – Vanessa indagou.

____ Eu combinei de ligar pra chamá-la pra sair. – disse Téo. ____ Peguei o telefone dela, está aqui no meu celular.

____ Você pode convidá-la para ir no Congresso de Negócios com a gente! – sugeriu Vanessa. ____ Vai ser muito bacana. Ela vai gostar.

____ É, é uma boa idéia, cara. – concordou Mauro

____ É, vocês tem razão. Eu vou chamá-la para ir conosco. – concluiu Téo, dando a conversa por encerrada.

E assim, quando chegou em casa aquela noite, ele ligou para Sara, que ainda estava no Rio de Janeiro passando as férias, e convidou-a para ir no Congresso de Negócios com ele, que seria no final de semana.

____ Mas é claro que eu vou! – disse ela ao telefone, contente pelo convite. ____ Pode contar com a minha presença.

____ Então tá combinado. Eu pegarei você aí antes pra gente poder ir pra lá.

Então, a semana foi passando, até que chegou o dia em que se daria o tão esperado Congresso de Negócios.

Capítulo Onze

A noite estava agradável. No céu límpido, as estrelas brilhavam intensamente. A festa estava deslumbrante e os convidados bem elegantes. Empresários, jornalistas, celebridades, políticos, pessoas do ramo dos negócios, entre outros, todos estavam atentos aos detalhes e admirados com a produção da festa. Tudo estava devidamente colocado, tudo perfeito.

Téo estava satisfeito por estar ali, no meio de tanta gente importante. Sentia-se orgulhoso de si mesmo por ter conquistado o seu espaço na sociedade, tudo fruto do seu esforço e da sua dedicação. Mas também estava admirado com os preparativos da festa, a decoração, o bufê, as tendas onde foram colocados os stands das empresas. Enfim, estava achando tudo um máximo. Junto com ele, estavam Vanessa, Mauro e sua convidada, Sara. Ele estava contente de tê-la por perto. Além de ser uma pessoa muito querida, também era uma companhia agradável e muito atraente. Ali ela estava ainda mais bonita do que no dia em que a encontrara no aeroporto. Estava com um vestido deslumbrante e os cabelos alisados belamente recaídos sobre os ombros. A cada hora sentia uma atração mais forte por ela.

____ E aí, está gostando da festa? – ele indagou para ela.

____ Estou adorando! – respondeu ela com os olhos brilhantes e o sorriso suave de sempre. ____ Está tudo bem bonito. A decoração, o bufê. Está tudo perfeito!

Téo sorriu, satisfeito por estar ali com ela. Nessa hora, Vanessa se aproximou dos dois e puxou conversa:

____ Nossa, vocês estão vendo quanta gente importante veio neste evento? Teve uma hora que eu e o Mauro estávamos no stand da empresa e quem passou por lá foi o Ministro da Fazenda! Um monte de políticos vieram prestigiar o Congresso.

Mauro, que notava o olhar de Téo atraído por Sara, achou melhor tirar Vanessa dali para deixar os dois a sós. E então, disse:

____ Vanessa, não é melhor a gente ir lá no stand ver como está indo tudo? O Seu Euclides nos pediu que tudo ficasse perfeito. Acho melhor a gente ir pra lá dar uma olhada.

Vanessa olhou para ele um pouco contrariada, mas entendeu o pedido.

____ Gente, fiquem à vontade. – ela falou para Téo e Sara. ____ Mas qualquer coisa, nós estamos por lá.

____ Ok. – disseram Téo e Sara, sorrindo com certa graça.

E assim Vanessa e Mauro foram andando para os stands com os braços dados, enquanto ela resmungava contrariada nos ouvidos dele.

Téo e Sara então ficaram a sós. Se olharam fixamente por um tempo, depois ela desviou o olhar, levemente envergonhada. Foi quando ele falou:

____ Você está linda hoje, sabia?

Ela voltou os olhos para ele, um pouco surpresa, um pouco assustada com a iniciativa dele, e respondeu com um sorriso nervoso, enquanto as mãos tremiam, tentando parecer ser educada:

____ Ah, obrigada, Téo!... Você também está muito elegante, vestido com esse terno... – então ela foi interrompida por um olhar sedutor dele, que ia aproximando sua face lentamente. Ele jamais dera chance para ela nos tempos da escola, e agora precisava corresponder de alguma forma aquele sentimento que ela nutria por ele.

Então, foi aproximando seu rosto do dela, a fazendo perder o fôlego, enquanto seus olhos iam se fechando preparando para o momento crucial. Até que, de repente, uma voz alta se fez ouvir em seus ouvidos, espantando qualquer clima de relação.

____ Meus senhores, minhas senhoras, quero lhes apresentar neste instante agora – disse um apresentador ao palco, no centro do Congresso. ____ o grande idealizador e responsável pela realização deste Congresso. Ele, que também é um empresário renomado, dono de uma das maiores companhias produtoras de biocombustível do país. O excelentíssimo Doutor Alípio Mendonça!

Houve uma salva de aplausos fortes e as pessoas se avolumaram em torno do palco para prestar atenção nas palavras do empresário.

____ Bom, - começou falando o senhor com uma voz serena. ____ é um grande prazer estar aqui com todos vocês, - e indicou para o público. ____ neste evento tão importante para o desenvolvimento do nosso país.

Todos prestavam atenção, atentos. Ele continuou:

____ Eu também trouxe aqui comigo, a minha esposa, Ruth, e o meu filho, Ricardo, que também vai falar por mim sobre este grande evento. – e estendeu a mão a passar o microfone para o filho, que entrava no palco.

Nessa hora Téo não conseguiu entender o que estava acontecendo. Forçou sua vista, que julgou estar embaçada, pois a idéia daquilo que veio em sua mente ao visualizar a figura do rapaz que falava no palco não podia ser verdade. Era inacreditável.

Sara, paralisada por aqueles instantes, não teve tempo nem reação de segurar Téo que, impulsionado pelo inacreditável e o absurdo, andou para perto do palco, empurrando as pessoas sem ligar ou perceber. E aí, quando chegou bem perto, seus olhos se depararam frente a frente com o rapaz que falava, e se arregalaram. Pôs as mãos na boca. O que era aquilo?! Como aquilo podia ser possível?!

Então, o rapaz que estava falando no palco por seu pai, pousou os olhos em Téo que estava pálido e com a aparência assustada. Sentiu a respiração falhar, seus olhos também se arregalaram, na mesma hora parou de falar e abaixou um pouco a cabeça para olhar direito e ver se era verdade.

Seu pai, o empresário que antes havia falado, se aproximou para ver a situação que estava ocorrendo. Sua mulher, que também estava próxima, ao ver Téo sentiu o coração parar de bater.

____ O que é isso...? – abafou Téo, estupefato. ____ O que está acontecendo aqui...?

Não podia acreditar naquilo. Ele e aquele rapaz eram absolutamente iguais.

Capítulo Doze

____ Meu Deus!!! – disse a mulher do empresário, a emoção batendo forte no peito. ____ Meu Deus, eu não acredito!... É ele, Alípio! É ele! – disse ao seu marido.

O empresário Alípio e seu filho Ricardo permaneciam estáticos a observar a figura de Téo que, na frente da platéia, continuava com a sua fisionomia assustada.

____ Não... não pode ser verdade. – falou Téo balançando a cabeça, como a ver uma assombração. ____ Não... não é...

E dominado por um medo terrível, andou para trás, e as pessoas foram se afastando, vendo o seu estado de nervos e o drama da situação. Assim, quando tomou força para agir, correu para longe dali, a espantar tais imagens de sua cabeça. Correu bastante até se refugiar em um banheiro distante, onde encontrou abrigo par o seu temor. O fôlego estava baixo e o suor frio tomou conta de seu corpo. Ele pôs as mãos na cabeça, incapaz de raciocinar naquele instante, e olhou para o seu reflexo no espelho do banheiro, que estava à sua frente.

Lá fora, o rapaz que estava no palco desceu a correr atrás de Téo, pois não podiam perdê-lo agora que o tinham achado. Foi sozinho que entrou dentro do banheiro e lá deparou com Téo que com as suas mãos enxugava o rosto que acabara de lavar.

Ambos ficaram frente a frente de novo. Só que daquela vez, não tinha mais ninguém além deles. Ricardo então começou a conversa:

____ Eu sei que você deve estar confuso, se perguntando como isso pode estar acontecendo.

Nessa hora, um olhou para o reflexo do outro no espelho e Ricardo, admirado, declarou:

____ Nós somos completamente iguais!...

Téo olhou para ele e, assustado, receoso, disparou, o apontando:

____ Não!... Nós não somos iguais! – ele olhava para Ricardo como se fosse uma aberração, um perigo, um ser maligno. ____ Isso que está acontecendo aqui... é tudo uma ilusão!

Ricardo então mirou-o preocupado, receoso de sua situação. Precisava ser o mais breve possível, para que pudesse fazer Téo se acalmar daquele estado de nervos em que estava.

____ Olha... eu não vim aqui pra te perturbar... E-eu, eu sei que você deve estar confuso... eu só quero que você entenda...

Nessa hora Téo, que estava com a cabeça abaixada sendo apoiada pelas suas mãos, olhou para o seu reflexo no espelho. Passou as mãos no rosto, o suor pelo corpo, e olhando para Ricardo, falou, estupefato:

____ Nós somos iguais!... Meu Deus, como isso é possível?...

Ricardo pensou no que ia falar, receoso, mas contou:

____ Essa é uma história muito longa. Uma hora eu vou te contar tudo para você entender... Mas o que você já pode perceber, é o que é o óbvio. – e olhou para Téo pelo reflexo dele no espelho. ____ Nós somos irmãos gêmeos.

____ Gêmeos?! – indagou Téo, incrédulo. ____ Irmãos gêmeos?! Você está louco?! – Ricardo olhou para ele, permanecendo calado. ____ Eu não tenho irmão gêmeo!...

Ricardo pensou um pouco antes de responder e disse:

____ Então como você explica que nós somos iguais?

Então, Téo levantou o corpo ficando ereto novamente, olhou fixamente para Ricardo e, tentando esconder o que a sua mente achava que era a verdade, falou:

____ Nós não somos iguais. Deve estar havendo algum engano. Isso não é possível. Uma pessoa não pode ser igual à outra em lugar nenhum do mundo... Nós devemos ter nos precipitado. Talvez sejamos apenas parecidos. Com certeza, se repararmos bem, veremos que temos diferenças um do outro.

Assim ele se aproximou de Ricardo e os dois juntos viraram-se para o espelho, notando em seus reflexos. Apesar das pequenas diferenças entre os eles; como a barba curta, o cabelo volumoso, o corpo magro e a postura um pouco inclinada de Téo; em relação ao rosto liso, o cabelo raspado, o corpo forte e a postura ereta de Ricardo; os dois eram completamente idênticos um ao outro.

____ É, nós somos iguais mesmo. – declarou Ricardo, agora sem a emoção que o tocara no primeiro encontro entre os dois.

Téo, que também estava mais calmo, teve que concordar com as palavras do outro, porém sentindo ainda uma confusão de idéias em sua mente, as quais não podia descrever. Não conseguia entender como aquilo era possível. Com a testa franzindo, deixou que Ricardo explicasse a situação:

____ Como eu te disse, nós somos irmãos gêmeos. Você não deve entender isso porque provavelmente não sabe do que aconteceu há anos atrás, com a nossa família.

Téo olhava para ele, prestando atenção, ainda abalado pela emoção do primeiro momento.

____ Quando nós nascemos, uma pessoa entrou na nossa maternidade. – disse Ricardo. ____ E seqüestrou você. Você foi roubado da nossa família quando era um bebê.

Téo arregalou os olhos, assutado. Aquilo que estava sendo dito não podia ser verdade. Nesse momento, seu coração quase parou. Seu fôlego foi diminuindo, as pernas ficaram dormentes, e sentiu a pressão cair. Ricardo notou a palidez em seu rosto, se aproximou e segurou em seu braço, perguntando:

____ Está tudo bem com você? Deixe eu te ajudá-lo.

____ Não... não precisa... eu vou... eu vou jogar uma água no meu rosto...

Nessa hora, uma pessoa bateu na porta do banheiro, perguntando o que estava acontecendo, se estava tudo bem com os dois. Ricardo conversou com a pessoa e pediu que os deixassem a sós por uns instantes.

Téo lavava seu rosto, sentindo uma dor no coração, uma tristeza muito grande tomando conta de si, que nunca havia sentido antes.

____ Você está nervoso... – abafou Ricardo.

Téo lhe falou, aos gaguejos:

____ Você estava dizendo... que eu fui roubado quando era bebê... e que a minha mãe, que me criou, que me educou... não era a minha mãe... E que aquelas pessoas lá fora é que são os meus pais verdadeiros?

Ricardo olhou para ele e respondeu sério:

____ Sim. É isso mesmo que você ouviu. Nós somos a sua verdadeira família, roubaram você de nós. E a vida inteira nossos pais procuraram por você, sem nunca encontrá-lo.

Téo estava fixo num ponto distante, ouvindo as palavras de Ricardo.

____ Mas agora você está aqui, nós o encontramos, e tudo mudou.

Nessa hora Téo pensou naquelas palavras e respondeu com tristeza profunda:

____ Não... Nada mudou... Eu continuo sendo o mesmo garoto pobre que sofreu durante toda a vida... Mesmo sendo filho desses senhores que estão lá fora, como você está me dizendo que sou. Isso não vai mudar o meu passado. Tudo o que eu sofri, tudo o que eu lutei para chegar até aqui. – Ricardo o ouvia atento, mas sem um brilho de emoção nos olhos. ____ Tudo o que eu conquistei... Se eu tivesse sido criado como você, certamente eu teria uma vida melhor... Quantas coisas... – e lembrou-se dos fatos tristes do passado. A pobreza, a falta de estrutura no morro, a rudez de seu pai, a morte de seu irmão, a dificuldade da vida. Seus olhos marejaram, a desabafar toda a dor que sentia naquele momento. ____ Quantas coisas eu não teria sofrido... por quantas coisas eu não teria passado... ... Mas não... o meu destino... – e não agüentou. ____ O meu destino foi sofrer tudo o que eu sofri... porque tinha que ser assim... Deus me escolheu pra passar por tudo isso... eu fui o escolhido... – e desmoronou em lágrimas fortes, lágrimas que representavam todo o sofrimento e a dor contida por todos aqueles anos. O pranto pela sua vida, pela sorte que lhe fora dada.

Ricardo o observava atento, sem dizer uma palavra, já farto daquele papo, querendo dar um fim naquela conversa. Não gostava de ver ninguém chorar na sua frente, não tinha paciência e nem sabia como agir nesses momentos. Preferiu ficar quieto e esperar até que Téo se acalmasse, afinal nem conhecia ele direito e não tinha como saber do sofrimento a que se tratava.

Assim, quando Téo se reanimou, lavou o rosto mais uma vez, o enxugou e se dirigiu a Ricardo.

____ Bom... você deve ter um nome, não tem? – indagou.

____ Ricardo – respondeu o outro, com os braços cruzados, encostado a um canto.

____ Ok, Ricardo. O meu é Teobaldo.

Ambos apertaram as mãos.

____ E agora, o que você vai fazer? – perguntou Ricardo, querendo finalizar logo aquilo. ____ Meus pais vão querer falar com você.

Téo pensou naquilo e achou que a hora não era propícia. Já bastava aquele impacto da primeira apresentação. Então, disse:

____ Sinceramente, eu não estou disposto a conhecê-los agora. Essas coisas que você me falou... me deixaram muito confuso. Eu preciso respirar um pouco, tomar um ar, refletir sobre tudo isso, dar um tempo para digerir essa história. Ainda tenho muitas perguntas a fazer, algumas pessoas a interrogar, mas por enquanto eu prefiro ficar sozinho. Até que eu me sinta disposto a conversar com eles sobre isso.

Ricardo assentiu:

____ Ok. Tudo bem. Você deixa o seu telefone comigo, que iremos ligar para você, para mantermos contato. Agora eu vou lá fora avisar a eles que você vai embora porque ficou abalado com a notícia, mas prometeu conversar quando estiver disposto.

____ Muito obrigado.

Assim, Ricardo foi o primeiro a sair do banheiro, deparando com uma multidão lá fora, e deu o recado para os seus pais a pedido de Téo. Este, porém, seguiu o caminho contrário, correndo no meio do lugar até encontrar Sara.

____ Téo! – exclamou ela ao vê-lo. ____ Meu Deus, eu fiquei tão preocupada, você tinha sumido!...

____ Sara, olha, vamos embora daqui, por favor. Vamos embora comigo.

____ Embora? Tá, tudo bem, mas... você não vai se despedir da Vanessa e do Mauro?

____ Não, eu não vou me despedir deles. – respondeu ele ansioso. ____ Agora vamos embora, que eu preciso ir pra casa tomar um banho para relaxar, e vou precisar muito da sua companhia hoje. Acho que não vou agüentar se ficar sozinho, posso até pirar.

____ Não, fica calmo, Téo... – ela falou consoladora. ____ Calma que eu vou ficar do seu lado. Vai dar tudo certo.

____ Vamos. – e a puxou pelo braço para fora dali.

E assim, quando chegaram no apartamento dele, ele tomou um banho para acalmar os nervos e depois disso sentou-se no sofá da sala ao lado dela, amargurado pelo destino e por tudo o que estava acontecendo. A sua vida, o seu passado, tinha sido tudo uma ilusão, assim como sua família, e que ele tivera que agüentar como se fossem suas?

____ O que eu vou fazer agora, Sara? E se tudo for verdade? – ele indagou.

____ Calma, Téo. Primeiro você deve conversar com eles e depois com a sua mãe, para poder esclarecer essa história. Eu tenho certeza de que tudo vai se resolver.

Téo olhou para o céu da madrugada, onde a luz do sol que nascia já se fazia aparecer, antecipando o dia em que ele ia tirar aquela história a limpo.

Capítulo Treze

O Sol já estava completamente inteiro quando Téo, que não pregara o olho a noite inteira, cutucou de leve em Sara, que estava adormecida em seu ombro.

____ Sara... – ele sussurrou no ouvido dela.

Ela abriu os olhos, deparando com os olhos azuis dele, e esboçou um sorriso suave, a expressão de cansaço, pois também mal tirara um cochilo aquela noite, acompanhando-o em seus pensamentos.

____ O dia já amanheceu. – ele falou, com certo remorso de tê-la acordado. Estava tão bela ali deitada em seu ombro, com seu rostinho doce e delicado, o que acalmou o seu espírito da noite anterior. ____ Eu tenho que ver o que vou fazer. – ele ressaltou.

Tinha uma pessoa igualzinha a ele no mundo. Ele precisava tirar aquela história a limpo. Fora seqüestrado quando bebê, segundo o que o outro lhe dissera. Mas, e se não fosse verdade?, pensou. E se fosse o contrário, se o outro (Ricardo) é quem tivesse sido seqüestrado por aquele casal de ricos porque, provavelmente, não podiam ter filhos? Havia muita coisa a que se pensar.

____ Sara. – disse ele. ____ Estou pensando aqui: e se o que o Ricardo me disse não for verdade? E se de repente, ele tivesse sido seqüestrado quando bebê, por aquele casal de ricos, e não eu?

Sara olhou para ele, sem saber responder. Ainda estava um pouco sonolenta.

____ Como vou ficar sabendo da verdade? Em quem devo confiar? Você acha que eu devo ligar pra minha mãe e perguntar essa história?

____ Eu não sei, Téo... É provável que sua mãe não conte nada por telefone. Você vai ter que ir até lá conversar pessoalmente com ela sobre isso.

____ Eu não acredito que eu possa ter sido enganado por ela... – ele desabafou. ____ Ela podia ter me contado, se eu fosse filho adotivo dela. Eu ia entender!

Sara pensou na situação. Se Téo fosse mesmo adotado, Dona Madalena teria algum motivo muito forte para não ter contado a verdade. Até porque, pela situação em que ela passou ao lado de Téo, com tantas dificuldades financeiras, com certeza o ajudaria mostrando quem eram seus pais verdadeiros, para que ele ao menos pudesse ter uma vida melhor. Conhecia D. Madalena. Sabia que ela era uma boa pessoa. Não ia privar o filho de ter mais conforto. Se ela não lhe disse a verdade, era porque com certeza não sabia quem eram seus pais, se é que aqueles senhores eram seus pais mesmo. Se Téo fosse mesmo adotado, provavelmente deve ter sido achado por ela em algum lugar, onde o seqüestrador o teria deixado. E quem seria esse seqüestrador? Ou se é que ele havia sido mesmo seqüestrado. A situação era complicada. Precisavam averiguar aquilo.

____ Téo – disse ela. ____ Você precisa ouvir os dois lados e saber quem esta dizendo a verdade. Tem que conversar com essa família, pedir a eles alguma prova de que você tenha sido seqüestrado, sei lá, algum registro do hospital onde você nasceu, a queixa que eles devem ter feito na delegacia no dia do seu seqüestro...

____ É – concordou Téo. ____ É uma boa idéia...

____ E para todo o caso. – ela completou. ____ Existe o exame de DNA, que comprova qualquer coisa.

Ele olhou para ela admirado. A astúcia dela o ajudara. Agora era só aguardar o telefonema de Ricardo, se é que ele ia ligar pra falar com ele.

____ Mas, enquanto isso – pensou Téo. ____ Eu posso fazer um teste com a minha mãe.

____ Como assim? – indagou a outra.

____ Eu vou ligar pra ela e, como quem não quer nada, vou perguntar para ela se ela esconde algo sobre mim.

____ Isso! É uma boa, Téo!

____ E aí vamos ver qual vai ser a reação dela. Dependendo de como ela reagir, vai dar pra saber se ela realmente esconde alguma coisa de mim, o que faz essa história ser verdade, ou não.

Naquela hora o telefone tocou. Ele foi atender, ansioso.

____ Alô? Téo? Tudo bem com você, cara?

Téo logo reconheceu a voz de seu amigo.

____ Mauro. Está tudo bem, e com você?

____ Tudo indo... É... ontem você não pôde se despedir de mim e da Vanessa. Você saiu da festa apressado. Eu e ela ficamos preocupados com você.

____ É, eu sei... eu imagino... Mas é que... foi uma situação muito difícil pra mim... eu nem sei o que vou fazer...

____ É, eu te entendo, meu camarada.

____ E a Vanessa, como ela está?

____ A Vanessa está aqui, comigo. Ela passou a noite aqui em casa. Quase não pregamos o olho essa noite pensando em você. – Mauro respondeu. ____ Ficamos preocupados contigo, cara.

Téo sorriu, feliz em saber que tinha amigos que se preocupavam com ele, e disse:

____ É, eu sei... Mas foi muito bom você ter ligado. Eu fico muito agradecido, irmão.

____ Poxa, cara. A gente gosta muito de você, aí.

Nessa hora Téo sentiu os olhos marejarem, dada a sinceridade daquelas palavras, e sentiu-se vulnerável pela primeira vez. Era confortante saber que tinha amigos verdadeiros, com quem podia contar, ainda mais naqueles instantes. Pela primeira vez não estava sozinho na vida, sem ter amigos, como antes.

____ Eu sei... – Téo afirmou. ____ Muito obrigado, parceiro.

____ Téo, a Vanessa quer falar com você. Peraí. – e passou o telefone para ela, que continuou a conversa: ____ Téo! Meu querido, eu sei de tudo o que você está passando. Eu sei como você deve estar se sentindo.

____ É...

____ Mas, o que você vai fazer? Estou preocupada de você fazer alguma besteira. Fiquei sabendo que você passou muito mal ontem, ficou nervoso, assustado... A Sara está aí com você?

____ Está. Ela está sim. – ele respondeu, olhando para Sara.

____ Ah, que bom. Pelo menos você tem alguma companhia. Assim ela te acalma.

____ É, ela está me ajudando muito aqui, a resolver esse problema.

____ Então, o que é que você vai fazer? Aquele cara é mesmo o seu irmão gêmeo?

____ É. – respondeu Téo. ____ É sim. Isso eu posso garantir. Ele é idêntico a mim...

____ Nossa, Téo... eu queria muito te ajudar... Sua cabeça deve estar confusa, né.

____ É, está.

____ Mas, isso vai passar. – afirmou ela, apoiadora. ____ Você vai esclarecer essa história e tudo estará terminado. O tempo vai se encarregar de todas as coisas. – completou. ____ Sei que nessas horas, o melhor a fazer é pensar e refletir no assunto, e sem ninguém por perto pra interferir. Mas pelo menos a Sara está aí, ela pode te apoiar, é sua amiga de infância, e uma pessoa que eu sei que você gosta muito. – nessa hora Téo olhou para Sara com um olhar que confirmava as palavras de Vanessa. ____ Mas qualquer coisa que você precisar, nós estamos aqui, ok?

____ Ok. Tudo bem.

____ Agora eu vou lá. Um beijo, Téo! Fica firme!

____ Um beijo, Vanessa. Obrigado por tudo.

E assim, desligaram o telefone. Téo disse à Sara:

____ Eram Vanessa e Mauro.

Sara sorriu suavemente. Gostava de saber que Téo tinha bons amigos.

____ E agora? Você vai ligar pra sua mãe? – ela indagou.

____ É... – ele relembrou. ____ É, eu tenho que ligar.

Então, ele discou o número e esperou sua mãe atender. O telefone chamou, chamou, até que sua mãe atendeu, com uma voz de sono.

____ Téo? É você? O que houve?

____ Mãe. Eu preciso conversar uma coisa com você. Eu preciso te fazer uma pergunta.

____ Ora... mas o que foi, meu filho?

____ Mãe... você vem escondendo algo sobre o meu passado de mim? Algo que eu não possa saber?

____ O-o quê? – ela indagou engasgada. ____ C-como assim, meu filho? D-do que é que você está falando?

Téo ficou mudo. Preferiu não dizer a verdade ali naquela hora. Mas pela reação de sua mãe, já sabia que era verdade toda a história. Ela estava lhe escondendo algo. Pelo temor de sua voz pudera perceber. Então, esperou e esperou até que mais tarde o telefone tocou novamente, e foi a vez de Ricardo.

____ Teobaldo, sou eu, Ricardo. Estou te ligando como prometi.

____ Sim, Ricardo. Eu estava esperando a sua ligação. Quero esclarecer essa história logo.

____ Ok. Meu pai e minha mãe estão ansiosos pra falar com você.

Dona Ruth e Seu Alípio observavam atentos a conversa de Ricardo com Téo, tentando conter a emoção e a vontade de verem seu outro filho.

____ Onde podemos nos encontrar? – perguntou Ricardo.

____ Eu não sei. – respondeu Téo. ____ Pode ser em algum local público, para que eu possa me sentir seguro...

____ Local público?... – pensou Ricardo, que ouviu o pedido de sua mãe que dizia: “peça para ele vir até aqui!”. ____ Acho que um local público não é o lugar apropriado. Não dá pra falar direito.

____ Então o que você sugere? – perguntou Téo.

____ Bom... – respondeu Ricardo. ____ Você podia vir até aqui em casa. Nós o aguardamos aqui e mandamos um motorista ir te buscar no seu endereço. Aqui você vai estar seguro e poderemos conversar em paz.

Téo pensou naquilo. “Aqui você vai estar seguro”. O que ele queria dizer com aquilo? Provavelmente, estaria pensando que fosse como eles, que precisavam de segurança o tempo todo por serem ricos. Mas, deixou aquilo para lá. Era melhor resolver logo aquela história.

____ Está bem. Eu vou até aí. Mas você me passa o seu endereço, porque eu vou no meu carro. Não quero motorista nenhum. E eu vou levar uma pessoa comigo.

____ Ok, está bem. A gente vai te esperar. Anota o endereço aí.

E assim, Téo anotou o endereço e partiu junto com Sara. Assim que Ricardo desligou o telefone, sua mãe perguntou:

____ E aí, o que ele disse?

____ Ele está vindo para cá.

____ Ah, meu Deus! – suspirou ela, cheia de felicidade, ao lado de seu marido, que também sentia-se contente. Ia ver seu filho depois de tantos anos de desaparecido. Iam acabar com todo aquele sofrimento do passado. E poderem refazer a sua família como eram antes.

Os minutos foram se passando, até que um mordomo os avisou que Téo havia chegado. Já tinham dado permissão aos seguranças para que ele pudesse entrar na mansão. E assim, todos o esperaram entrar pela sala, entusiasmados. Era chegada a hora. Téo ia conhecer seus pais de verdade.

E então, ele entrou na sala estar, ao lado de Sara, quando todos pararam para vê-lo, emocionados. D. Ruth foi a primeira a se emocionar, vendo seu filho querido que fora separado logo que saíra de seu ventre, e nunca mais o vira. E agora ele estava ali de volta, na sua frente, um homem, adulto, forte, saudável. Chorou de emoção naquele instante, sem dizer uma palavra. Seu marido a abraçou, acalmando-a. Téo olhou para os dois e viu que a história era verdadeira. Para ter-lhes causado tanta emoção, era porque realmente era filho deles. Tentou conter a angústia que sentia naquele momento. Ia ter que se desfazer de seu passado mentiroso para aceitar aquilo que o presente lhe dava: uma nova família. A sua mais nova e verdadeira família, da qual ele não poderia escapar.

Capítulo Quatorze

____ Como vai, Teobaldo? – disse Ricardo. ____ Seja bem vindo a casa.

____ Obrigado. – respondeu Téo, mantendo a tranqüilidade.

Ele olhou para seus pais que estavam abraçados e emocionados a um canto. A empregada deu um lenço à D. Ruth para ela enxugar as lágrimas. Enquanto isso, Ricardo ofereceu:

____ Sente-se no sofá. – disse para Téo. ____ Fique à vontade.

Téo sentou-se, juntamente com Sara, que ficou ao seu lado. Ela observava a figura de Ricardo, admirada, mas sem demonstrar. Ele era idêntico a Téo. Até em seus gestos, seu modo de falar. Só havia uma diferença na sua postura e no seu corpo. Ele era mais forte, o corpo mais definido, tinha um porte atlético, ao passo que Téo era mais magro por conta do trabalho e da falta de atividade física.

Ricardo acenou para os seus pais se sentarem no sofá à frente de Téo. Ele sentou primeiro. Logo após, D. Ruth e S. Alípio se aproximaram e quando a senhora chegou bem perto de Téo e viu seu rosto com sua barba curta, seus olhos azuis que ela reconhecia desde que era bebê, seu olhar humilde de moço simples e batalhador, fixo nela, ela não conseguiu segurar a emoção. Estendendo as mãos a quase tocá-lo, declarou:

____ Meu filho!!! – as lágrimas enchendo os olhos. ____ Meu filho... ah...

E não disse mais nada, suspirando. S. Alípio a fez sentar no sofá ao seu lado, também tentando conter a emoção, olhando para Téo e fazendo força para não deixar a lágrima cair. Este os olhava com um misto de incômodo pela situação e pena, por provavelmente terem sofrido muito com a sua ausência.

____ Então. – iniciou Ricardo, que era o mais tranqüilo de todos. ____ Temos muita coisa para conversar, não é mesmo?

____ É. – disse Teobaldo. ____ Precisamos esclarecer essa história.

____ Pois bem. – disse o outro. ____ Então, vamos começar por parte. Quais são as suas dúvidas? O que é que você precisa saber?

Téo olhou para o casal de senhores emocionados à sua frente, pensou em sua resposta e falou:

____ Quero saber se tudo isso é verdade. Preciso saber se essa história é verdadeira. Quero que vocês me provem que eu fui mesmo seqüestrado e que eu sou o filho... de vocês. - e olhou para os dois senhores, que o olharam surpresos com sua resposta.

Eles olharam para Ricardo e vice-versa. Tinham que pensar num modo de provar a verdade. D. Ruth ficou um pouco indignada com a dúvida de Téo. Achava que só a presença de Ricardo, um homem idêntico a ele, já era o bastante para provar tudo. Mas pensou bem e viu que era prudente o rapaz desconfiar, pois havia mesmo muita gente bandida no mundo, que era capaz de fazer muitas coisas para ter o que era dos outros, como os filhos, por exemplo.

Como eles não chegavam a uma idéia, Téo deu sua sugestão:

____ Vocês poderiam começar me mostrando o registro do meu nascimento, no hospital onde eu nasci. E o depoimento que vocês fizeram na polícia, quando eu fui seqüestrado na maternidade. Vocês fizeram isso, não fizeram? Não têm nenhuma testemunha do crime, do que aconteceu? Alguma enfermeira, ou médico que fez o parto, que comprove que eu sou mesmo filho de vocês?

Nessa hora, S. Alípio respondeu, examinando aquela idéia:

____ Sim, nós temos. – falou com certa satisfação. ____ Nós podemos ver todos esses documentos, correr atrás disso, e conversar com as pessoas para que eles comprovem para você.

Téo abanou a cabeça, estando de acordo.

____ E quando a gente vai ver isso? – indagou D. Ruth para S. Alípio, ansiosa.

____ Nós podemos ver isso agora mesmo. – disse decidido S. Alípio, já se levantando do sofá e chamando o mordomo.

____ Cláudio, me dê o telefone do hospital onde o Ricardo nasceu. O número está na minha agenda antiga. Pegue para mim, por favor. – o mordomo foi atender ao pedido. S. Alípio tornou: ____ Agora, vou ligar para o meu advogado, ver se ele consegue achar o número do processo e o passar para mim. Vou pedir para que ele venha até aqui nos mostrar o boletim de ocorrência que eu fiz na época.

Téo ficou admirado com a facilidade com que eles conseguiam as coisas. Na verdade, estava admirado desde que entrara ali naquela mansão com seu carro, e deparara com vários seguranças ao redor do imenso jardim. O tamanho da casa, a sala com seu móveis caríssimos e de primeira qualidade, a quantidade de empregados... Enfim, ele se sentia um peixe fora d’água. Era muita coisa para poucas pessoas.

E assim, passados alguns minutos, S. Alípio já estava com todos os documentos em mãos, trazidos pelo seu advogado.

____ Então, está comprovado. – disse S. Alípio para Téo. ____ Nós somos mesmo os seus pais.

Téo pensou em pedir um exame de DNA para ter uma confirmação. Mas dadas as circunstâncias e o desenrolar dos fatos achou que não era necessário. Estava mais do que provado que eles eram seus pais. Não tinha o que contestar. Agora, só precisava conversar com sua mãe, para saber dela toda a história. Para ter sua confirmação.

____ Eu preciso falar com minha mãe. – ele declarou.

____ Mas... Téo... – indagou Sara.

____ Eu preciso falar com ela hoje! – afirmou, decidido. ____ Eu vou mostrar para ela esses documentos, e eu quero ver o que ela vai ter pra me dizer!

____ Mas, meu filho... – disse D. Ruth. ____ Você não pode ficar para almoçar conosco?

Téo olhou sério para ela e respondeu:

____ Desculpe, minha senhora. Preciso resolver esse assunto com minha mãe primeiro. – e saiu pela porta da sala, decidido, Sara indo atrás dele.

____ Oh!... – desabou D. Ruth, entristecida. ____ Ele vai embora...

____ Eu vou atrás dele! – falou Ricardo, indo pegar a chave do seu carro.

S. Alípio foi atrás de Ricardo, para ir junto com ele. Pegou sua carteira, enquanto Ricardo descia as escadas vindo do seu quarto com a chave, e D. Ruth falava:

____ Oh, vocês vão atrás dele? Então eu vou com vocês!

E assim, os três saíram atrás do carro de Teobaldo, que dirigia acelerado pelas ruas do Rio de Janeiro, enquanto que dois carros de seguranças escoltavam a família Mendonça em sua empreitada.

Sara olhava para Téo sem dizer uma palavra, vendo a expressão de revolta em seus olhos. Sabia que ele não tinha gostado de ter sido enganado pela sua própria mãe.

Assim, como o tempo foi passando, quando foram ver os quatro carros da corrida estavam seguindo pela estrada em direção à Angra dos Reis, a terra natal de Teobaldo.

Não demorou muito até que ele chegou na casa onde sua mãe morava. Saiu do carro e pediu para que ninguém o acompanhasse. Queria conversar sozinho com ela. Antes que sua mãe percebesse o movimento na porta de sua casa, ele adentrou e a levou para a cozinha, onde puderam conversar.

____ Téo, você está bem, meu filho? – ela indagou, estranhando o jeito dele.

Este olhou para ela e sentindo a dor no fundo do coração por ela não ser sua mãe, não pôde dizer nada e a abraçou, aos prantos.

____ Meu Deus, o que houve, meu filho? – ela perguntou preocupada devido à reação dele.

Mas Téo apenas chorava. Sua dor era grande demais naquele momento para que pudesse dizer alguma coisa. Sua mãe, sua grande companheira da vida, a quem mais amava do que tudo, não era a sua mãe de verdade. Sua tristeza era imensa. Sua dor, irreparável. Téo estava sofrendo do mesmo jeito que sofrera quando D. Zélia morrera e quando seu irmão havia sido assassinado. Era como se sua mãe também estivesse morrendo naquele instante, e ele quisesse segurá-la ali no seu abraço, a não deixá-la partir.

____ O que está acontecendo, meu filho? – perguntou D. Madalena novamente. ____ Fica calmo... Conte pra sua mãe o que é que houve...

Demorou uns minutos para ele se refazer, ir no banheiro lavar seu rosto e retornar à cozinha, ainda com os olhos vermelhos pelas lágrimas. Sentou à mesa da cozinha e disse:

____ Mãe, eu tenho uma coisa pra conversar com você. É melhor você se sentar.

D. Madalena sentou-se à mesa, ficando de frente para ele.

____ O que houve? – ela indagou.

____ Mãe, hoje mais cedo eu te liguei perguntando se você não escondia algo sobre o meu passado, lembra?

D. Madalena tomou um susto. Será que Téo estava falando daquilo? Seu coração apertou. Ela respondeu.

____ Sim. Mas eu não entendi a sua pergunta. – ela disfarçou.

Téo olhou firme nos olhos dela. A conhecia, sabia que ela não era de mentir. Então, decidiu ser direto e disse:

____ Mãe, eu sou seu filho adotivo, não sou?

D. Madalena arregalou os olhos e ficou pálida. Naquele momento, não soube o que responder e mentiu:

____ N-não... c-claro que você não é... você é meu filho! Quem foi que te disse isso?

Téo olhou para ela um pouco decepcionado e viu que não era mais hora de esconder os fatos. Contou tudo:

____ Os meus pais verdadeiros... Eles estão lá fora. – confessou. ____ Eu conheci eles hoje.

D. Madalena levantou da cadeira, assustada, com uma mão no peito e outra na boca. Seu segredo havia sido descoberto. Não soube o que dizer a Téo. Se aquilo que ele falou era verdade, não adiantava mais nada mentir. Preocupou-se. Se Téo já sabia da verdade, devia estar a odiando. Então abaixou a cabeça, sem nada a dizer, e tapou os olhos com as mãos, a esconder a vergonha.

____ Por que você escondeu isso de mim? – ele perguntou magoado.

Ela tentou contornar a situação. Não queria perder seu filho querido, o único que lhe restara.

____ Téo, quem foi que te disso uma coisa dessas? Por que você está acreditando em pessoas estranhas que você nem conhece? Eles devem ser uns pobres coitados que estão te procurando agora depois de terem te abandonado.

____ Eles não me abandonaram. – retrucou ele, levantando da cadeira. ____ E eles também não são pobres coitados. São uma família rica, poderosa. Donos de muitas terras no Brasil, uma família conhecida, os Mendonça.

D. Madalena então virou-se de costas, surpresa. Uma idéia passou por sua cabeça. Aquele sobrenome lembrava-lhe algo. Então, pensou naquela possibilidade.

____ Não... ele não poderia ter feito aquilo... – ela resmungou.

____ Do que você está falando? – Téo indagou.

____ Não... eu estava só pensando. Mas, como você sabe se esse pessoal são mesmo os seus pais? – tentou ela.

____ Porque eles têm um filho que é idêntico a mim! – afirmou ele com certa ferocidade. ____ Que é o meu irmão gêmeo!

____ G-g-gêmeo...?

____ É, mãe. E agora, o que é que eu vou fazer, hein? Eu quero saber – e a segurou pelo braço. ____ onde foi que você me achou? Quem foi que me seqüestrou na maternidade?

____ Seqüestrou?! – indagou ela, surpresa. ____ Mas ninguém te seqüestrou, Téo... – então ela pensou naquela possibilidade. Não, não era possível que aquele homem tivesse sido capaz de fazer aquilo. Não! Mas os fatos comprovavam a sua falta de caráter. Ela continuou: ____ Na verdade... foi seu pai quem o trouxe para mim. Ele disse que tinha encontrado você numa lata de lixo, abandonado. – então os olhos dela começaram a marejar, por pena do filho e medo da reação dele.

____ No lixo...? – ele indagou, abalado. ____ Mas... quem teria coragem de fazer isso? Alguém que me seqüestrou e depois me jogou no lixo... devia estar com muita vontade de prejudicar aquela família lá fora.

____ O seu pai... – deixou escapar D. Madalena apavorada pelo modo como as coisas estavam se desenrolando. ____ O seu pai trabalhou na casa de praia de uma família Mendonça, aqui em Angra. E ele tinha sido demitido por eles dias antes dele trazer você para cá...

Téo então ficou boquiaberto com aquela possibilidade.

____ Você acha... que ele foi capaz...? – abafou ele, estupefato.

____ ...Acho... – respondeu D. Madalena, aos prantos.

Então, Téo, movido por uma força interior e um desejo de dar um fim aquela história, correu para fora da casa, enquanto sua mãe o chamava, aflita pelo seu estado, e se dirigiu para S. Alípio e D. Ruth, que se surpreenderam com a sua volta repentina:

____ Eu preciso perguntar uma coisa a vocês.

Os dois ficaram atentos. Téo perguntou:

____ Vocês tem casa de praia aqui em Angra?

____ Sim... Nós temos. Por quê? – indagou S. Alípio.

____ E algum tempo atrás, pouco antes de eu nascer, trabalhou lá nessa casa de vocês um homem chamado Eriberto?

Os dois pararam para pensar. Nessa hora, D. Madalena surgiu à porta de casa, e quando viu um monte de pessoas, tentou se esconder um pouco para que não a vissem. Aqueles seguranças poderiam estar ali para prendê-la, pensou.

____ Eu me lembro... – disse D. Ruth. ____ Que trabalhou lá um homem chamado Eriberto, sim. Ele era muito beberrão, uma vez bebeu tanto que quase bateu com a nossa lancha. E eu ainda estava grávida de vocês. Alípio mandou ele embora, deu a ele todos os direitos como se não tivesse sido por justa causa, mas mesmo assim ele ficou furioso, até ameaçou a gente, dizendo que ia se vingar de nós.

Téo então mostrou uma foto de seu pai que tinha na carteira e perguntou para confirmar:

____ Era esse homem aqui?

D. Ruth confirmou:

____ É, era esse aí mesmo. Por quê?

Téo ficou tomado pelo ódio.

____ Maldito...! – declarou, com os olhos vermelhos de raiva. ____ Aquele filho-da-mãe, ele fez isso comigo!!

De toda a raiva que já tinha de seu pai, não era comparada à raiva que ele estava sentindo naquele momento.

____ Então foi ele! – disse ao vento, furioso. ____ Foi ele quem fez isso! Quis se vingar e por isso tentou acabar com a minha vida!... Por isso ele nunca gostou de mim! Por isso que ele sempre me tratou daquele jeito!

Então, tomado pela raiva, pegou seu carro e partiu pelas ruas da cidade, sem dar ouvidos aos chamados aflitos dos outros, que também pegaram seus carros e o seguiram.

A fúria que tomava conta de si era muito grande. Queria se vingar de S. Eriberto naquele instante, e não queria que ninguém o atrapalhasse. Dirigiu em alta velocidade, fazendo muitas ultrapassagens, assustando as pessoas na rua, até chegar ao cais da cidade, onde saltou do carro como um leão e foi perguntar aos pescadores:

____ Sabem onde está S. Eriberto!?

Um deles, que sabia a resposta, o respondeu:

____ Ele não está mais aqui. Foi embora da cidade, para um outro lugar. Não sei para onde ele foi.

____ Você conhece alguém que possa me informar onde ele está?

____ Não. – respondeu o velho. ____ Faz muitos anos que ele foi embora. Ninguém sabe para onde ele foi.

____ Droga! – resmungou Téo, esbaforido.

Pôs as mãos na cabeça, olhou à sua volta, perdido em sua revolta, sem poder descontá-la naquele momento. No céu, os pássaros voejavam. Ele estava cheio de ódio em seu coração. Precisava sair dali. Ir para um lugar distante, onde não houvesse ninguém. Então, antes que os outros chegassem, pegou o carro e partiu dali em direção a um mirante que tinha no meio da estrada.

No caminho, a raiva se acumulava dentro de si. Lembrava-se de tudo o que aquele homem o fizera passar, tudo para prejudicá-lo, e agora entendia as palavras dele...

“Você não é nada. Você não é ninguém... E a faculdade?... Você não vai conseguir entrar nunca, sabe por quê? Porque você é um moleque arrogante, prepotente, acha que pode ser melhor do que alguém... Isso está dentro de você, isso faz parte de você, você é assim desde que nasceu, quando você nasceu já estava destinado a ser assim. Arrogante. Insolente. Prepotente... Isso está no seu sangue, aí... percorrendo as suas veias, como um veneno moleque... Você é igual à sua família!”

O ódio ia se apoderando de seu corpo, seu rosto, seus olhos começaram a marejar, de tanta revolta que aquelas lembranças lhe causaram. Aquele desgraçado o havia usado para se vingar de seus pais, e tudo porque ele fora despedido por ser um bêbado maldito!

“Você... você não vai chegar a lugar algum. Você vai nadar, nadar e morrer na praia!”

Ele chegou ao mirante. Saltou do carro, quase não agüentando a dor da revolta em seu coração. Andou pelo mato que ali tinha até chegar à ponta, de onde se tinha uma vista belíssima do mar e das ilhas ao redor, e onde o vento balançava suas vestes, seus cabelos, como a raiva que por dentro balançava o seu espírito, e que ele precisava desabafar.

Pensou naquelas palavras que Eriberto lhe falara. O velho sempre torcera contra a sua felicidade. O usara para fazer sua vingança injusta, e agora não tinha como se vingar da vingança dele. Então, cerrou os punhos, e tendo como única testemunha o mundo ao seu redor, explodiu em um berro estrondoso, com toda força de sua voz:

____ Malditoooooooooooooo!!!!!!!

Respirou, ofegante. Jogou toda a sua raiva contra o ar. Mas ainda não estava satisfeito. Olhava como um leão para o horizonte e prometia a si mesmo que ia se vingar de S. Eriberto.

Parte Três

O caminho para a felicidade é duro.

Mas

Se lutar com Esperança...

Um dia se chega lá!

Capítulo Um

Teobaldo refletia cabisbaixo, sentado na cadeira da varanda, olhando as ondas do mar que batiam de leve nas pedras e se afastavam, trazendo consigo o brilho daquele entardecer.

Estava frustrado. O cansaço tinha tomado conta de si e frente aos acontecimentos dos últimos dias, o seu chefe, Seu Euclides, dera-lhe um período de descanso para relaxar e resolver sua vida.

Ainda estava confuso. Não conseguia entender como é que aquilo podia estar acontecendo com ele. Ter uma outra família, um outro lar, uma nova vida. Era tudo muito novo e rápido demais para que ele pudesse compreender e se adaptar. Para isso ainda levaria algum tempo.

Mas por enquanto ali ele estava sozinho, como queria, na casa de praia que alugara em Angra dos Reis, longe de tudo e de todos. A única visita que autorizava a receber era a de Sara, que vinha lhe trazer conforto naqueles dias confusos, e com seu carinho e afeto, ia conquistando o seu coração cada vez mais.

Com ela, não estava sozinho. Só ela podia entendê-lo naquele momento sem fazer pressão, ou falar sobre assuntos que não gostaria de tocar. Ele queria ficar em paz.

E ali naquele lugar, na beira do mar, com o sol se pondo, ele viveu momentos felizes que nunca tivera na vida. Instantes de paz...

Juntos olhavam o pôr-do-sol lindo naquela tarde, abraçados e despidos, com o mar infinito a os embalar, somente eles e o mar...

Capítulo Dois

Teobaldo foi até a mansão de seus pais biológicos em Angra. Ficava impressionado com a quantidade de propriedades que eles tinham. Para ser educado, aceitava os convites que eles faziam para que ele fosse até lá. E sempre levava Sara consigo.

Na verdade, S. Alípio deixara os negócios a cargo de seus executivos e tirara umas férias para ficar em Angra, perto de Téo, para que ele e sua mulher tivessem tempo de convencê-lo a fazer parte da família. Ricardo também estava passando férias com eles, a pedido de seu pai, que achava que ele era peça essencial para poder atrair e convencer Téo a se sentir familiarizado. Afinal, os dois eram um o reflexo do outro. E isso geraria um clima de cumplicidade, pensava S. Alípio.

Mas, na realidade, isso não acontecia. Tanto Téo quanto Ricardo sentiam que eram muito diferentes um do outro, apesar das aparências. Que tinham modos de pensar diferentes. E tão diferentes que até sentiam certa repulsa um pelo outro, porém nada que deixassem transparecer claramente. Apenas conversavam com educação, sem entrarem em assuntos mais profundos.

____ E como foi a sua viagem para os Estados Unidos, meu filho? – perguntou D. Ruth se dirigindo à Téo, para puxar assuntos agradáveis.

____ Foi muito boa... – respondeu ele, os olhos brilhando ao relembrar. ____ Foi uma viagem muito feliz...

____ Eu imagino, querido. – ela afirmou. ____ Viajar é sempre muito bom. Existem muitos lugares belos e interessantes no mundo para se conhecer. Inclusive, eu e Alípio estávamos pensando em fazer uma viagem pela Europa, e gostaríamos de levar você, Ricardo e a sua namorada. – aduziu estrategicamente, sorrindo falsamente para Sara, que estava presente à mesa, enquanto almoçavam um banquete farto. Sara retribuiu o sorriso de forma sincera, com sua ingenuidade e pureza. Téo olhou para ela pensando na possibilidade, esperando que ela respondesse por ele. Mas a moça fez posição de dúvida, como a dizer que tanto fazia, e que a decisão era dele. Então, ele olhou bem para D. Ruth, que sorria ansiosa, e para S. Alípio e Ricardo, que esperavam sua resposta. E assim, respondeu:

____ Bom, eu acho melhor nós esperarmos um pouco para fazer uma viagem dessas, não acham? Digo, nós estamos num lugar tão bonito, tão tranqüilo... podíamos combinar de sair por aqui mesmo, fazer passeios de lancha, conhecer algumas ilhas... até que eu possa conhecer vocês melhor.

____ Sim, sim, claro. – concordou D. Ruth, querendo agradar o filho. Olhou para S. Alípio com certa graça no rosto. Na verdade, não imaginava que Téo fosse recusar uma viagem à Europa e preferisse passear por Angra. Estranhou a extrema simplicidade dele, e esperou seu marido completar a conversa:

____ É uma boa idéia, Teobaldo. – disse S. Alípio, admirado com o modo de ser do filho. Na verdade, achava aquilo uma virtude do seu caráter, pois ele também fora de origem simples e também não tinha visão de luxo na vida. ____ Amanhã mesmo vamos dar um passeio por essas ilhas. Vou pedir para prepararem a lancha e um roteiro com os lugares mais interessantes para a gente visitar.

Téo sorriu, entusiasmado. Virou-se para Sara, que sorria em contrapartida, e a beijou, alegre e feliz. Aqueles estavam sendo dias contentes em sua vida.

Observando aquele beijo entre os dois, D. Ruth sentia certa repulsa, não simpatizava com Sara. Dentro de si, ela escondia, mas tinha um profundo preconceito por pessoas de pele negra, preconceito este que não demonstrava para ninguém.

Mas Teobaldo e Sara se beijavam à vontade ali na frente deles, pois que o amor não via fronteiras para a sua expressão, e muito menos se limitava à cor da pele.

Capítulo Três

O dia estava quente e ensolarado. O mar estava cristalino e calmo. No céu, as aves voejavam livres e no mar os cardumes nadavam dando cor e vida às suas profundezas. O dia estava belíssimo, e Téo, ao lado de sua namorada e sua mais nova família, faziam um passeio magnífico pelas ilhas de Angra dos Reis.

Para ele estava sendo um dia muito agradável, assim como para os outros, com a exceção de um. Ricardo, com sua fisionomia séria, sentia-se entediado com aquele passeio em família. Em seu interior, desejava estar numa praia lotada de gente rica e importante como ele, com belas mulheres atraentes e muita música para poder dançar. Gostava de ambientes mais festivos, com pessoas na moda, os lugares onde a alta classe jovem freqüentava.

Por um momento, a lancha que estava em alta velocidade foi cercada por um grupo de golfinhos que, eufóricos ao estarem na presença de humanos, pularam sobre as águas os acompanhando em seu percurso.

____ Olha! Golfinhos! – exclamou Sara apontando para eles.

Assim, ela, Téo, D. Ruth e S. Alípio ficaram na ponta da lancha para observarem. Menos Ricardo que, com sua cara fechada, permanecia de braços cruzados, esperando aquilo tudo acabar.

____ Nossa, que lindos! – exclamou Sara, sorrindo.

____ É incrível... – abafou Téo, admirado. Depois, olhou para o sol no horizonte e declarou. ____ Este passeio foi abençoado.

Capítulo Quatro

O tempo ia passando e cada vez mais Téo se aproximava de sua família biológica. D. Ruth e S. Alípio, cada vez mais felizes em tê-lo por perto, fizeram-lhe um pedido:

____ Nós gostaríamos de registrar você com o nosso nome. Queríamos dar para você o sobrenome da nossa família, que é seu por direito. – S. Alípio falou.

Téo ficou um pouco surpreso com o pedido e, pensando rápido, respondeu:

____ Bom, eu acho que ainda é cedo para fazermos isso. Afinal, nos conhecemos há tão pouco tempo...

D. Ruth tentou convencer:

____ Meu querido, nós desejamos tanto encontrá-lo por todos esses anos. E agora que temos você aqui conosco queríamos ao menos tê-lo como nosso filho, perante a lei. Esse é um direito que nos foi tirado.

Ela fazia uma expressão tão suplicante que Téo sentiu-se constrangido em dizer não para eles. Mas era que ele pensava em sua outra mãe, D. Madalena, a qual se distanciara em virtude da mágoa que tivera por ela tê-lo omitido um fato. Porém, mesmo com a mágoa, não queria deixar de ser filho dela. A amava como se fosse sua mãe verdadeira e não conseguiria se desfazer dela daquele jeito. Precisava de um tempo para pensar. Pediu para os dois esperarem o tempo passar para que pudesse digerir melhor as coisas, sem pressa, para depois tomar as atitudes necessárias.

Assim sendo, S. Alípio convidou-o a passar pelo menos um final de semana na mansão deles no Rio de Janeiro, para passearem por lá e também irem para São Paulo, onde estava situada a indústria e a sede da sua empresa. Para não ser mal educado e poder corresponder de alguma forma a dedicação que eles lhe davam, aceitou o convite.

E assim, no dia seguinte, partiram para o Rio de Janeiro. Sara, que já não estava mais de férias, teve que permanecer em Angra para trabalhar, para a satisfação de D. Ruth, que não queria que ela fosse com eles. Os quatro, incluindo Ricardo, foram no helicóptero da família e Téo ficou vislumbrado de estar novamente nas alturas, admirando as paisagens que via.

Cada dia que passava, ficava mais surpreso com o conforto que eles tinham, a sua facilidade que em ter as coisas, em fazer tudo. Era uma vida muito mais leve, mais suave, que ele nunca tivera, mas que naqueles dias ele experimentava.

Capítulo Cinco

Ao chegarem na mansão no Rio de Janeiro, foram logo recebidos pelos empregados que, dispostos sempre a atender os seus patrões, deram-lhes as atenções devidas. E porque também estavam curiosos para ver o novo membro da família, que muitos não haviam tido a chance de ver na outra ocasião em que ele fora lá. O filho perdido que eles haviam encontrado, Teobaldo.

Teobaldo, lisonjeado pela atenção que lhe deram ao chegar na mansão, cumprimentou a todos com seu sorriso radiante, retribuindo-lhes a simpatia e a educação com que era tratado.

Logo os comentários entre os empregados eram sobre ele.

____ Viram como ele é simpático? – disse uma empregada à outra.

____ Muito! – respondeu a outra. ____ Tinham que ver quando eu fui cumprimentá-lo. Ele apertou minha mão e sorriu com doçura, dizendo: “Muito prazer, senhora. O prazer é todo meu. Muito obrigado...”. Nossa! Tão educadinho!

____ Um amor! – afirmou uma terceira empregada. ____ Nem parece que é da família!...

____ É, ele realmente parece ser um rapaz de caráter! – reafirmou um motorista, adentrando na conversa.

E assim, enquanto os empregados comentavam sobre Téo, algumas o levaram até o quarto onde ele ficaria hospedado, ao passo que seus pais e Ricardo iam direto para os deles.

Uma empregada abriu a porta do quarto e mostrou para ele, o qual ficou de olhos arregalados ao ver o tamanho do lugar.

____ Noossa! – ele exclamou. ____ Meu Deus, que quarto enorme! É aqui que eu vou ficar?? – ele perguntou.

A empregada, achando engraçado o jeito dele, respondeu sorrindo;

____ É aqui...

____ Nossa... caramba! – exclamou ele de novo, adentrando no enorme quarto, que tinha de tudo, desde TV de última geração até equipamentos de academia e varanda. ____ Puxa! Mas pra que tanta coisa assim num quarto? – ele perguntou, olhando para as quatro empregadas que estavam à porta.

As quatro fizeram expressão de dúvida e sorriram, achando engraçada a forma de ele falar.

____ Já estou vendo que vou passar bem aqui! – gracejou ele.

As quatro riram. Depois, quando saíram deixando-o sozinho, ele foi examinando cada coisa que tinha em seu quarto, admirado. Lembrou do seu passado. Quando morava no morro, naquele casebre. Nunca tivera um quarto só para ele, até o dia em que comprou o seu apartamento, o qual não chegava nem a ser do tamanho daquele quarto ali. Lembrou das dificuldades que passara na juventude e agora que estava ali naquele quarto, naquela mansão, pensou em como sua vida seria diferente se não tivesse sido seqüestrado pelo seu pai adotivo. Sentiu raiva dele naquele momento. A promessa da vingança ainda estava de pé. Tanto ele quanto seus pais verdadeiros queriam puni-lo. Estes contrataram um grupo de especialistas que o estavam procurando pelos quatro cantos do país. E Téo torcia para que o achassem e o prendessem pelo que havia feito. Assim, ele poderia viver em paz consigo mesmo.

Mas não queria ficar pensando naquilo naquele momento. Queria aproveitar o que estava ali ao seu redor, todo aquele conforto que lhe era proporcionado, como se fosse um prêmio merecido por todo o sofrimento que passara. Só queria saber de ser feliz.

Ricardo, em seu quarto, escutou as quatro empregadas passando pelo corredor e uma delas dizendo:

____ Nossa, como ele é educado!

____ E muito engraçado também! – disse uma outra.

As quatro riram de leve e continuaram se distanciando. Ele imaginou pra quem seriam os elogios e ficou pensando, calado.

Logo mais tarde, S. Alípio chamou todos para irem almoçar num restaurante famoso da cidade. Ricardo, já meio cansado de ter que acompanhar a sua família em seus passeios, fez uma cara emburrada, mas assentiu aos pedidos de sua mãe. Na verdade, já estava ficando farto de todos terem que dar atenção para Téo, incluindo ele. Não estava acostumado a ter que agradar ninguém, porque era ele quem sempre fora agradado pelos outros. Começava a olhar para Téo com a cara fechada.

Téo, não notando a chateação do irmão, estava entusiasmado com os lugares que estava conhecendo. Ficou lisonjeado quando foram a um restaurante chique da cidade e fora tratado como um rei por todos. O próprio dono do restaurante fez questão de cumprimentá-lo e dar-lhe as boas vindas.

Foram também a um clube famoso e lá ele conheceu muitos empresários ricos, pessoas da alta classe, que o cumprimentavam com muita gentileza, como se ele fosse alguém muito importante. Porque na verdade agora ele era. Era o filho do dono de uma das maiores companhias de biocombustível do país. Um homem rico e renomado.

Sua mãe comprara-lhe roupas sociais finíssimas para ele ir num evento social no clube, onde estavam muitas pessoas importantes, mas não tão importantes quanto ele e sua família. As pessoas olhavam-no com interesse, principalmente as mulheres que, belas e elegantes, não lhe tiravam os olhos, torcendo para terem uma oportunidade de ao menos cumprimentá-lo. Ele, porém, fingia não ver ninguém, mostrando certa soberba. Aquilo lhe dava certa satisfação, era como se vingar pela época em que não era ninguém e ninguém olhava para ele. Ali, naquele momento, ele era o rei, e finalmente sentia-se no topo do mundo.

Capítulo Seis

A viagem para São Paulo deixou Teobaldo entusiasmado. No jatinho, dava para ver as cidades satélites minúsculas lá embaixo. Seu pai, S. Alípio, iria mostrar-lhe a sede de sua empresa na capital, que se situava no prédio administrativo. E logo em seguida, seguiriam para a fábrica e a plantação de cana no interior do estado.

Estava satisfeito. Ia mostrar para o filho a grande riqueza da família, que era dele também. Olhava para Téo com muito entusiasmo. Quando soubera de sua trajetória, desde a infância pobre até a idade adulta, em que se tornara gerente financeiro de uma multinacional dando uma virada na vida, ficara orgulhoso e ao mesmo tempo aliviado, porque sua preocupação quanto ao futuro de seus negócios havia acabado. Tinha profundo receio de que Ricardo não conseguiria tocar os negócios para frente, depois que ele morresse. Sabia que Ricardo era desinteressado e não tinha vocação para aquilo. Mas com Téo era diferente. Com ele ali podia ter mais confiança de que o futuro da empresa estaria garantido. Naquele momento Téo se tornava mais precioso do que nunca.

Na viagem só foram os dois. Ricardo e D. Ruth ficaram no Rio de Janeiro. O moço já estava farto de ficar agarrado à família e quando soubera que iam visitar a indústria em São Paulo, recusara decidido e fora à praia com os amigos, não atendendo aos pedidos do pai e da mãe para que ele acompanhasse o irmão.

Mas Seu Alípio já não se importava mais com o descaso de Ricardo com os negócios da família, porque tinha Téo ao seu lado. E ali, naquele jatinho, ele olhava para o seu filho com um carinho especial, vendo em seu rosto determinado o futuro e a perpetuação do seu trabalho.

Ao descerem no aeroporto em São Paulo, Téo ficou admirado. Nunca tinha posto os pés na cidade e se surpreendeu com o tamanho que ela tinha. Prédios e mais prédios, que iam até o horizonte. Nos quatro cantos, a cidade continuava. Ficou admirado. A sensação era a mesma quando pisara em Nova York, mas não pensara que São Paulo fosse tanto assim.

Então, partiram num helicóptero para o prédio administrativo no centro, onde era a sede da empresa. Lá, Téo conheceu todos os departamentos a aproveitou para fazer algumas análises sobre o setor financeiro, que era a sua especialidade. Seu Alípio ficava contente com o seu interesse.

Logo depois, partiram no helicóptero para a fábrica no interior do estado, a qual era rodeada pela extensa plantação de cana-de-açúcar, da qual precedia o álcool combustível.

Dentro da fábrica, Téo viu os numerosos trabalhadores operando as máquinas, todo o processo que era feito para extrair o álcool da cana-de-açúcar, a quantidade máquinas. Enfim, estava vislumbrado. E o que o deixava mais abobado era que aquilo tudo era seu. Todo aquele complexo industrial, agrícola e administrativo. Tudo aquilo seria seu um dia. Seu pai com certeza era um homem bilionário. Tanto dinheiro que ele nem saberia dizer o quanto. Uma quantia inestimável.

Assim, passou a ficar calado, sem perguntar tanto as coisas. A idéia de ser dono daquilo tudo ali o deixara avoado. Em que momento poderia imaginar que seu destino mudaria de tal forma?

Estava bobo. Há poucos anos atrás, era um rapaz pobre que morava numa favela numa cidade interiorana, passava por dificuldade e trabalhava para poder sustentar a família. Agora, era simplesmente o herdeiro do dono de uma das maiores companhias de biocombustível do país. Era, praticamente, um homem rico, bilionário, afortunado. Estaria entre os homens mais ricos do planeta.

Então, foi deixando seu pai falando sobre a fábrica, mostrando-lhe os setores, enquanto que ele refazia seu espírito, recompondo-se. E quando chegaram ao alto da fábrica, de onde se tinha uma vista ampla da plantação, Téo ficou admirado.

Os pés de cana iam até os quatro cantos do horizonte sem ter fim. No meio da plantação, o sol fazia um brilho dourado, como o brilho de ouro balançando ao vento.

Nessa hora, seu pai tocou em seu ombro e disse:

____ Isso que você está vendo, meu filho, isso tudo será seu. Um dia, você será o dono de tudo isso aqui.

Teobaldo olhou para o horizonte, vislumbrando.

Capítulo Sete

Téo conseguira ficar rico. Não através do seu esforço próprio, mas pelas forças do destino. Soubera o que era ser pobre, sofrer, lutar na vida, e agora experimentava ser rico, ter a vida ganha, confortável, sem sofrimento.

Ia viver daquele jeito até saber o que fazer de sua vida. Por enquanto, estava aproveitando os bons momentos ao lado de sua namorada e com todo o conforto que só aquele dinheiro poderia lhe dar. Largou o trabalho na multinacional e começou a aprender com seu pai as técnicas de gerenciamento dos seus negócios, para que fosse um dia o sucessor dele. Porém, havia alguém que não estava gostando daquela idéia. Ricardo estava cada vez mais irritado com a presença de Téo na mansão conquistando a simpatia de todos, dos empregados, de seus pais, e a proximidade entre ele e seu pai, nos negócios da família. Ficava para morrer quando ouvia Seu Alípio elogiar Teobaldo por alguma coisa boa que ele tivesse feito no trabalho. Na verdade, Ricardo sentia que estava perdendo seu espaço para Téo, que logo ocuparia o lugar que era seu dentro da empresa e na família. A sua exclusividade havia acabado. Agora, tinha um alguém com quem teria que dividir tudo que era seu. E isso o deixava agoniado. Não estava acostumado a dar nada pra ninguém e não queria perder o que fora seu antes dele chegar.

Téo estava adorando sua nova vida e sentia-se satisfeito. Porém, para poder se sentir plenamente realizado, ele queria que algumas pessoas que o humilharam no passado o vissem vitorioso.

Ao chegar em Angra, pediu para o motorista de seu pai o deixar no centro da cidade. Passaram perto do morro onde ele morara. Ele olhou para o alto, lembranças vindo à mente. Lá do alto, um alguém o vira com o rosto na janela da limusine e ficou pasmado. Não podia acreditar que era mesmo Teobaldo, que tinha ficado rico.

No centro, todos pararam para ver o homem que abria a porta da limusine e saía dela. Teobaldo, bem vestido, elegantíssimo, chamou a atenção de todos, com seus óculos escuros que causavam um ar de impressão.

Andou pelas calçadas, como um rei, sendo observado por todos, passando pelos estabelecimentos comerciais onde no passado ele fora rejeitado para trabalhar, algumas pessoas o reconhecendo e ficando boquiabertas, estáticas, ao notarem a sua mudança. Mas ele, com a cabeça erguida e firme numa direção, parecia não ver ninguém. Ignorava a todos.

Adentrou numa loja de material de construção. Lá, o dono, notando a sua importância e vendo que estava acompanhado de quatro seguranças, foi ele mesmo atendê-lo.

____ Pois não, senhor? – disse com simpatia. ____ Posso ajudá-lo?

Nesse instante, Téo tirou os óculos, mostrando seus olhos azuis que Seu Amin reconheceu na hora. Seu rosto empalideceu. Não podia acreditar. Era Teobaldo que estava ali à sua frente?

____ Como vai, Seu Amin? – disse Teobaldo, com ironia. ____ Trabalhando muito?

Seu Amin, boquiaberto, não conseguiu responder. Gaguejou, sem poder dizer nada. Mas Téo continuou:

____ Pelo visto, isso aqui não mudou nada. – afirmou olhando ao redor. ____ Continua a mesma espelunca de sempre. – e olhou para Seu Amin, que não ousou responder aquela ofensa. ____ É uma pena. – Téo continuou. ____ O que eu quero não vai ter aqui. É uma peça muito cara, de muito requinte, que eu vou comprar para colocar na minha mansão.

Seu Amin o olhava surpreso e ao mesmo tempo sentindo a humilhação daquelas palavras, sem coragem para rebatê-las devido à imponência de Téo naquele momento. Estava estupefato, como se visse uma lenda, uma assombração, um ser folclórico.

____ Bom, - terminou Téo. ____ Acho que não há mais nada que fazer aqui. Fiquei decepcionado. Não notei nenhuma evolução. – e avistou um rapazinho trabalhando no caixa, com a fisionomia cansada pela quantidade de tarefas. ____ Ah, e é bom você pagar um bom salário para aquele menino ali. Vale refeição, vale transporte, décimo terceiro, tudo conforme a lei, correto? – e olhou para Seu Amin, cheio de frieza no olhar. ____ Caso contrario, eu mando os meus amigos do ministério do trabalho virem aqui pessoalmente resolver esse assunto. – e assim se retirou da loja, pondo seus óculos escuros de volta.

Ao passo que andava, as pessoas iam seguindo-o com os olhos, curiosas, interessadas e espantadas com a sua evolução. Ele, satisfeito, seguia em frente, sentindo-se vitorioso.

Capítulo Oito

Aquela vida de homem rico estava lhe saindo melhor do que encomenda. Estava adorando ser admirado, respeitado, desejado, alem de ter tudo aos seus pés com a maior facilidade sem precisar fazer nenhum esforço.

Naquele fim de semana, estava em Angra para ficar ao lado de sua namorada, Sara, aproveitando que ela também estava de folga do trabalho.

Naquela noite eles teriam um evento importante para ir, uma festa com empresários e políticos para falarem sobre os negócios da região.

Na mansão dos pais de Téo, Sara, com um elegantíssimo vestido que ele comprara para ela, vestia a gravata no pescoço dele, que também estava elegantíssimo.

____ Pronto. – ela disse, terminando de ajeitar a gravata. ____ Está lindo. – afirmou, sorrindo.

Ele sorriu e a puxou em seus braços, beijando-a com ardor.

Na festa, os dois eram o centro das atenções. Estavam acompanhados de D. Ruth, Seu Alípio e Ricardo, que também foram passar o fim de semana em Angra. Todos ali na festa os olhavam com interesse, sabendo que se tratavam da poderosa família Mendonça.

Téo e Sara desfilavam pelo lugar sendo o casal mais elegante da festa. Foi quando de repente ele deparou-se com uma pessoa conhecida do passado.

Ela estava ali à sua frente, estática, de mãos dadas com seu marido, acompanhados de um grupo de amigos. Ela não pôde acreditar no que estava vendo. O seu namorado de juventude ali na sua frente, completamente diferente do que fora. Rico, elegante, ao lado de uma mulher com um vestido muito mais deslumbrante que o dela e aparentemente mais feliz.

Téo olhou para a figura de Katina, que estava de olhos arregalados tamanha a surpresa, e sentiu a pressão cair, um susto grande e ao mesmo tempo prazer em ter a oportunidade de mostrá-la a sua mudança. Prometera a si mesmo que um dia jogaria na cara dela que ele vencera, se tornara rico e quando esse dia chegasse, ele estaria do lado de uma mulher muito mais bem vestida do que ela e muito mais sorridente. E esse dia chegara.

Deu alguns passos, ficando próximo a ela, a qual esperava que ele fosse cumprimentá-la, mas ele apenas olhou-a com ironia e prosseguiu seu caminho ao lado de Sara.

Katina ficou arrasada. Téo nem a cumprimentara. Será que não a reconhecera, pensou? Sentiu-se mal, teve vontade de sumir dali. Como ele pudera esquecer ela, o amor do passado dele? Sua vaidade de mulher estava ferida. Pediu licença ao seu marido e saiu para longe dali.

Téo, ao longe, viu-a se afastar do marido, visivelmente abalada. Aproveitou a deixa, pediu licença a Sara, que ficou na companhia de seus pais, e seguiu Katina até conseguir abordá-la.

____ Então, como vai, Katina? Está gostando da festa?

____ T-Téo... – abafou ela, surpresa, a face pálida.

____ Quanto tempo, não? Pelo visto você não mudou nada... – disse ironicamente. ____ Como anda a sua vida de casada? Satisfeita com o marido rico que arrumou? – atacou, vingativo. ____ Pena que ele não é tão rico quanto eu, né.

Katina sentiu a primeira avalanche de revolta de Téo contra si. Ficou calada, pois não sabia o que dizer. A vergonha tomava-lhe conta, a humilhação, o remorso. Deixou Téo concluir sua fala.

____ É uma pena que você não possa ter um vestido igual ao da minha namorada, porque o seu marido não pode comprar um pra você. Mas pela minha namorada eu faço esse esforço, porque ela é uma mulher de fibra, batalhadora, trabalha, nunca se encostou em mim. Eu sou um homem mesmo privilegiado. – e se retirou.

Katina baixou os olhos, sem dizer nada. Ela ainda permaneceu por mais um tempo ali, digerindo aquelas palavras que ouvira, sentindo a vergonha pela escolha que havia feito em sua vida. Correu para o banheiro e lá, sozinha, olhou para o seu reflexo no espelho, pondo-se a chorar. Téo, ao lado de Sara, que conversava animada com D. Ruth e Seu Alípio, sorveu um gole de champanhe, satisfeito.

Capítulo Nove

Téo refletia sobre o encontro da noite anterior. Relembrava as palavras que dirigira à Katina e perguntava a si mesmo se o que tinha feito fora correto.

Há muitos anos não a via e começou a pensar que sua atitude fora imatura. Mostrou ser vingativo e que guardava mágoa pela rejeição dela anos atrás. Mas sabia que ela se casara com aquele homem para ajudar seu pai, que estava doente, e sua família, que estava passando por dificuldades. Fora um ato de heroísmo. Sabia que ela não era interesseira. Não tinha o direito de humilhá-la daquela forma.

Em seu quarto, na mansão, na beira do mar, Téo chorou arrependido do que fizera, enquanto que a luz do entardecer iluminava seu semblante triste.

As ruas do centro da cidade estavam vazias naquela manha de domingo e Téo cabisbaixo andava por ali, pensando na vida.

O vento, que carregava as folhas das árvores e a poeira das ruas, também esvoaçava de leve os seus cabelos que, desengonçados, revelavam o seu desinteresse quanto às aparências. Estava cansado. Sentia-se insatisfeito, frustrado, mas consigo mesmo. Nessa hora, em que tais pensamentos tomavam conta de si, deparou-se com uma figura amiga do passado na rua.

____ Professor...?

____ Teobaldo! – exclamou o professor Basílio, sorrindo entusiasmado ao vê-lo. ____ Nossa, mas como é bom vê-lo! – e pôs-se a abraçar Téo. ____ Como é que andam as coisas com você? Está tudo bem?

Téo, que antes estava com a fisionomia triste, tentou disfarçar com um sorriso fraco, respondendo:

____ Eu estou bem...

O professor Basílio logo notou uma tristeza em seu olhar, que era muito transparente, e perguntou:

____ Está tudo bem mesmo, filho?

Dado o tom paternal do professor, Téo não pôde resistir e contou-lhe a verdade:

____ Na verdade, eu estou um pouco chateado com algumas coisas. Mas vai passar.

____ Mas o que é que houve? – indagou o professor preocupado. ____ Vamos sentar-se aqui, para conversarmos.

Então os dois se sentaram em um banco numa praça da cidade, onde não havia barulho e tinha poucas pessoas passando.

____ Então, me diga, o que é que houve?

Téo pensou por uns instantes e respondeu:

____ Ontem eu encontrei com Katina, aquela minha namorada nos tempos do colégio, e eu a humilhei jogando na cara dela que hoje eu sou mais rico que o marido dela. E estou me sentindo mal com isso...

____ Você ainda gosta dela?

Téo parou um pouco para refletir e depois disse:

____ Gostar, como antigamente, não. O nosso relacionamento acabou. Passou. Foi um amor de adolescente. Mas acho que fiquei guardando mágoa esse tempo todo pelo modo como ela me rejeitou. Apesar de que eu entendo que ela fez isso porque estava passando por muitos problemas...

____ Então por que você fez isso?

____ Eu não sei... acho que me tornei uma pessoa má... Outro dia mesmo, humilhei o dono da loja de materiais de construção onde eu trabalhei, para me vingar do modo como ele me tratara... Me tornei vingativo... E isso porque agora eu sou rico... Mas, eu sinto que isso não é uma coisa correta. Não acho legal fazer vingança, humilhar os outros, só porque sou rico agora. Sempre achei feio quem fazia isso... Estou fazendo tudo o que eu achava errado nas pessoas... sendo arrogante, soberbo, frio, vaidoso, humilhante... Eu acabei me tornando igual a eles... Aproveitando o conforto fácil com um dinheiro que não lutei para ter... – e uma lágrima caiu de seus olhos. ____ Sinto que eu me perdi...

O professor Basílio o olhou com preocupação. As palavras de Téo tocaram-lhe fundo a alma. Entendia o conflito dele. Conhecera-o em sua juventude, sabia do sofrimento que ele passara, e agora que o vira vencer na vida, o via chorar por ter se tornado uma pessoa fria.

Sentia dor pelo pobre garoto que mesmo sendo rico ainda era vítima do destino, que o fizera nascer pobre para conhecer as virtudes do homem e depois se tornar um homem rico que tinha que confrontar seus princípios com o novo modo de vida.

Olhou para o céu, onde as aves voejavam, livres. Percebeu naquele instante que, no fim, todos os seres humanos eram prisioneiros e inocentes. Porque nasciam para sofrer e lutar por sua sobrevivência. Uma luta que um dia ia acabar, e o ser humano perder, para a morte.

Desde cedo a criança era tomada a chorar para poder ter o leite de sua mãe, ou para dizer quando algo estava errado em si. Depois, tinha que aprender a andar para exercitar suas pernas e o seu equilíbrio. E ao longo de sua vida, forçava sua mente para aprender diversas coisas que no futuro a ajudariam a sobreviver. Mas, mesmo com todo esforço pela vida, por mais que se esforçasse para viver para sempre, ela um dia iria morrer, como todo ser vivo. E era por isso que o professor percebeu que todos os seres humanos eram inocentes. Porque no fim de sua luta, acabariam perdendo. Toda a glória da vida um dia ia ter um fim.

Então ele percebeu que a vida era sofrida e curta demais para o homem carregar um peso tão grande na sua consciência. A única coisa que ele tinha que carregar era a paz dentro de si. A paz para poder viver bem consigo mesmo, a tornar a vida leve. E ele sabia que era daquilo que Téo estava precisando. De paz. De levar uma vida mais leve, não só com o mundo, mas também consigo mesmo.

____ Siga os seus princípios. – disse-lhe o professor. ____ Faça da sua vida o que você achar o certo. Você já sofreu muito nessa vida, meu filho. Faça o possível para não torná-la pesada dentro de si mesmo. Liberte-se do que você não acha certo e leve a vida do modo que você se sinta bem, mais leve. Siga os seus princípios...

E foi assim que Téo teve a sua conversa com o professor Basílio, o qual tinha sempre a missão de ajudá-lo nas horas mais difíceis, a dar-lhe coragem e força necessárias para fazer as mudanças na vida. A partir daquele dia, Téo sabia que sua vida não seria mais a mesma. Seus dias como um homem rico estavam contados. Ia recuperar a dignidade que era a sua marca, os seus princípios, que faziam parte da sua alma. E ia poder ser feliz.

Capítulo Dez

Téo estava ao lado de Sara na mansão em Angra. Contava para ela as coisas que o afligiam e sobre a conversa com o professor Basílio. Ela, sempre muito atenciosa e compreensiva, dizia-lhe palavras amigas tentando induzi-lo a fazer o melhor para si.

____ Téo, eu não acho que seja errado você usufruir do conforto que sua família pode lhe proporcionar, o qual é seu por direito. Mas se você não se sente bem em ter as coisas com facilidade, se prefere ter o que conquistar com o seu próprio suor, então você deve ir à luta por isso. Retomar sua vida de antes, que era do jeito que você achava o certo. Seguindo seu caminho com suas próprias pernas. Vai à luta!

As palavras de Sara inspiraram-no e ele levantou-se da cadeira, onde estava sentado, olhando o pôr-do-sol da varanda da mansão, e disse estimulado:

____ Sara, eu preciso ver minha mãe, Madalena. Pedir desculpas por esse tempo que a abandonei. Ela foi a minha companheira no tempo de pobreza no passado, suportando o sofrimento comigo. Não posso abandonar ela desse jeito. Não posso cuspir no prato que comi só porque fiquei rico.

____ Então vai à luta, meu amor! – disse ela sorrindo encorajadora. ____ Vai e retoma sua vida!

E assim, ela e Téo foram à casa de Dona Madalena. Quando esta abriu a porta e viu os dois, ficou espantada. O moço a olhou com amor incontido e a abraçou com força, chorando as lágrimas da emoção.

____ Me perdoa, minha mãe, por ter te abandonado! Me perdoa!

Sara via os dois abraçados e sorria, emocionada.

O jatinho levou os Mendonça de volta para o Rio de Janeiro. Do aeroporto, pegaram um helicóptero para sua mansão. E lá Téo chamou seus pais para uma conversa definitiva:

____ Eu não posso mais morar aqui. – falou.

____ Mas por que, meu filho? – indagou D. Ruth.

Téo explicou sua situação:

____ Eu não estou acostumado a ter tudo com facilidade. Na minha vida, sempre tive que lutar para ter as minhas coisas e me orgulhar disso. – os empregados ouviam o que dizia, admirados com sua atitude. ____ Sou um homem simples. Não gosto de luxo, nem de banalidades. Não gosto de freqüentar ambientes da alta classe, com aquelas pessoas que se preocupam mais com as aparências do que com os valores morais. Sou um homem que nasceu pobre e viveu a vida ao lado de pessoas humildes, honestas, que tem princípios. Não que eu ache que os ricos não prestam, muito pelo contrario. Tem muitos, como o senhor, meu pai, que lutaram para chegar aonde chegaram.

Nessa hora todos o olhavam abobados, inclusive Ricardo, surpreso com sua atitude. Ele continuou:

____ Mas é que o meu lugar não é aqui. Meu lugar é onde estava tudo o que eu conquistei. No meu apartamento, com o meu carro, no meu trabalho conquistado com muito esforço e do qual eu me orgulho disso. Enfim... eu não vou mais ficar aqui. Eu preciso que vocês entendam. Mas a minha vida é em outro lugar, de um outro jeito. E é desse jeito que eu sou feliz.

Todos ficaram um pouco espantados com as suas palavras, principalmente Ricardo, que não fosse imaginar que Téo iria se desfazer daquele conforto que tinha ali. Mas Seu Alípio logo entendeu Téo e o abraçou, comovido com o filho, dizendo que entendia, mas não podia evitar que ele tomasse aquela decisão. Téo estava decidido. E assim, naquele mesmo dia, ele arrumou suas coisas na mala e voltou para o seu apartamento.

Lá, ele se sentiu de volta à vida normal. Mas precisava conseguir mais uma coisa: o seu emprego de volta. Então, pegou seu carro e foi até a multinacional. Pegou o elevador e foi até o andar da diretoria. Lá encontrou com Vanessa e Mauro, que o abraçaram emocionados. Ele adentrou na sala do senhor Euclides e disse:

____ Dá licença. Posso entrar?

____ Pode, Téo. Fique à vontade.

____ Bom. – começou ele, um pouco nervoso e receoso de receber uma recusa. ____ Eu vim pedir ao senhor um emprego de volta, se o senhor quiser me aceitar.

____ Ora. – ressaltou S. Euclides. ____ Mas eu pensei que você tinha ficado rico, que não precisava mais trabalhar...

____ Que nada, senhor. O meu nome é trabalho. Eu não posso viver sem ter o meu dinheiro, conquistado com o meu esforço.

Seu Euclides o avistou com um brilho no olhar, misterioso, e respondeu:

____ Pois bem, Teobaldo. Vejo que você é um homem de sorte. A vaga de gerente financeiro ainda é sua. Pode começar a trabalhar!

____ Obrigado, senhor Euclides! – agradeceu Téo sorrindo contente.

Saiu da sala da diretoria e deparou com seus dois amigos que esperavam ansiosos à porta. Quando ele lhes deu a notícia, vibraram com alegria do seu lado, dizendo:

____ Seja bem vindo de volta, camarada. – Mauro.

____ Como nos velhos e bons tempos! – Vanessa, sorridente.

Final

Capítulo Um

Ricardo estava impressionado com a atitude de Teobaldo. Não imaginava que ele pudesse se desfazer de todo aquele conforto que lhe era proporcionado. E ele tivera uma implicância com Téo à toa, achando que este lhe tomaria o lugar na vida. Começou a pensar em seus próprios atos e percebeu que fora infantil. Não amadurecera como Téo. Era só um rapaz mimado. Seu pai o jogara na cara o exemplo de moral que Téo estava lhe dando e aquilo o deixava frustrado. Não queria ser comparado com Téo. Aquilo o fazia sentir-se inseguro consigo próprio, pequeno, inferior. Isso porque, pela genética, ele e Téo eram para serem iguais em tudo, mas a vida os separaram e os tornaram diferentes um do outro psicologicamente. Por isso não queria ser comparado com Téo. Porque aquela visão lhe dava a impressão de que Téo lutara na vida e ele não.

Cansado de ouvir seu pai afirmando aquilo no seu ouvido, saiu para a noitada e foi para uma boate dançar e distrair sua cabeça.

Lá, foi-lhe oferecido um comprimido de ecstasy e ele, que já estava acostumado a usar a droga, comprou e tomou com um gole de uísque. Logo seus sentidos se alteraram. Conheceu uma jovem bonita que dançou com ele e logo os dois estavam se agarrando na pista de dança.

Mais tarde, os dois, alterados, partiram no carro dele para um local mais deserto, para que pudessem saciar os seus desejos. Pararam no meio da estrada e lá desceram ficando na beira de um penhasco, o qual dava para um amontoado de pedras lá embaixo, sendo batidas pelas ondas do mar.

____ Tira a roupa. – ele ordenou, alucinado.

A moça, também alterada, começou a se sentir mal e se esquivou dele, não querendo estar ali naquela situação.

____ Não... eu não quero... eu quero ir embora...

____ Não, vem cá. Você pediu. Agora você vai ter. – falou Ricardo a pegando e puxando com força.

____ Não, me solta! Me solta! - berrou a moça, desequilibrada, tentando se desvencilhar dele.

Mas ele a agarrava, com sua força superior, e ela não conseguia se soltar. Desesperada, em seu devaneio, ela se soltou dele e tropeçou, caindo penhasco abaixo, no meio das pedras. Estava morta. Ricardo, estupefato, apavorado, tornou a acreditar que aquilo havia acontecido mesmo. Alucinado, tentou seguir a direção de seu carro, sem cabeça para pensar no que havia feito, e partiu dali, sem perceber que alguém assistira a tudo.

Capítulo Dois

Téo estava em seu apartamento, cochilando de um dia cansativo de trabalho, quando de repente o telefone tocou e ele foi atender.

____ Alô?

____ Pois não, é o senhor Teobaldo quem está falando?

____ É ele sim, por quê?

____ Senhor Teobaldo, aqui quem está falando é o delegado Siqueira, tudo bem?

____ Tudo bom.

____ Então, seu Teobaldo. Eu preciso que o senhor compareça aqui na delegacia para prestar depoimento sobre o caso da jovem Amanda do Nascimento, morta na noite de ontem numa estrada à beira mar, tudo bem?

Téo, confuso, não entendendo o que ele tinha a ver com aquele caso, apenas respondeu:

____ Tudo...

____ Ok. Te espero aqui então às oito horas. Obrigado e até mais.

Téo colocou o telefone no gancho, intrigado. Não sabia do que se tratava aquilo. Mas se arrumou, pegou seu carro e foi para lá descobrir.

Lá chegando, o delegado pediu para que se sentasse e começou a lhe perguntar onde ele estava e o que estava fazendo na noite anterior a tal hora. Ele respondeu que estava em casa, dormindo, pois tinha trabalho no dia seguinte. O delegado o esclareceu então que uma jovem chamada Amanda, filha de empresários ricos, foi vista com um homem igual a ele num penhasco, numa estrada à beira mar, por uma catadora de latas que passava pelo local e que de longe pode ver o rapaz que se parecia com ele a jogar a moça do precipício.

Téo ficou intrigado. Como não imaginava que Ricardo pudesse fazer aquilo, pensou se eles não o estavam confundindo com outra pessoa. Mas o delegado afirmou que a mulher fez um retrato falado do homem que estava no local e ele mostrou a ela uma foto num jornal em que Téo posava ao lado de Sara, numa coluna de festas da elite. Téo então pediu para ver o retrato falado. O delegado o mostrou.

O homem era mesmo igual a ele. Porém, tinha o cabelo mais curto e o rosto sem barba. Era igual a Ricardo.

Ele não conseguiu imaginar aquela situação, que Ricardo pudesse ter matado alguém. Então, pediu apenas que o delegado fizesse uma investigação melhor e se retirou, sem mencionar o nome do irmão gêmeo.

Preocupado com aquela história, decidiu ele mesmo investigar melhor e foi até a mansão de seus pais num bairro de classe média alta da cidade.

Capítulo Três

Téo entrou na mansão dos Mendonça, tarde da noite, cumprimentou os seus pais e pediu que chamassem Ricardo, que desde cedo ficara trancafiado no quarto. Ricardo, com a fisionomia abatida e de ressaca, cumprimentou Téo e perguntou o que ele queria:

____ Hoje eu fui chamado para prestar depoimento na delegacia. – disse Téo. ____ Sobre a morte de uma garota chamada Amanda que morreu assassinada ontem à noite numa estrada à beira mar.

Ricardo nessa hora empalideceu.

____ Uma mulher, uma catadora de lata, disse que viu um homem no local que a jogou de um precipício. – continuou Téo. ____ Ela fez um retrato falado desse homem. O delegado achou que era igual a mim. Mas, eu reparei que o cabelo do homem era mais curto e ele não tinha barba.

Ricardo ficou mudo, apavorado.

____ O que você quer dizer com isso? – perguntou D. Ruth, nervosa e aflita.

____ Eu não quero dizer nada. – respondeu Téo, sério. ____ Eu só quero saber onde o Ricardo estava ontem à noite.

Todos olharam para Ricardo. Ele estava completamente apavorado, os olhos arregalados, a tez pálida, sem nada dizer. Dona Ruth então, virou-se para Téo a defender seu filho e rebateu:

____ O que você está querendo dizer? Está querendo acusar o seu irmão, é isso?

____ Não, calma, Ruth. – aduziu Seu Alípio. ____ Não vamos nos precipitar.

Nessa hora, uma empregada surgiu dizendo:

____ Seu Alípio, D. Ruth, olha a noticia que está passando no telejornal.

Seu Alípio ligou a televisão pelo controle remoto e os quatro assistiram a reportagem:

“____ Teobaldo da Silva, suspeito do crime, prestou depoimento agora há pouco na delegacia e afirmou que estava em casa na noite de ontem no horário em que se sucedeu o fato. – dizia a repórter. ____ O delegado vai investigar o caso. Amanhã voltaremos com mais informações sobre o caso de Amanda.”

Téo estava arrasado. Falaram seu nome e mostraram a foto sua do jornal ao lado de Sara em rede nacional. Sua reputação estava fortemente manchada. De súbito, a raiva veio lhe à cabeça e ele disparou apontando o dedo para Ricardo:

____ Viu, tudo por sua causa! Meu nome está envolvido nessa história por sua causa!

____ Não, calma, meu filho! – pediu D. Ruth tentando acalmá-lo.

____ Não! – berrou ele de volta. ____ Não vão defender ele! A minha reputação que está em jogo! – e foi se aproximando de Ricardo, a cada passo que dava a raiva tomando conta de si. ____ Onde é que você estava ontem à noite? Hein? – perguntou olhando ameaçador para o outro.

Este, que suava frio e tremia dos pés à cabeça, respondeu, aos gaguejos:

____ E-eu...eu estava aqui, em casa... no meu quarto... já devia estar dormindo.

Teobaldo o olhou fundo nos olhos, tendo a certeza de que ele estava mentindo. Então, indagou:

____ Então, por que aquela mulher disse que viu um homem igual a nós dois na cena do crime?

____ E-eu não sei... Porque ela deve ter se enganado... provavelmente.

Téo encarou Ricardo fixamente. Nessa hora, D. Ruth pediu:

____ Por favor, não vamos brigar por causa disso. Essa história toda deve ter sido um engano. Aquela mulher está acusando vocês, mas ela se enganou e deve ter visto outra pessoa. Vamos chamar nossos advogados e resolver isso tudo.

____ Não. – disse Téo, em tom sério. ____ Eu vou falar com o meu advogado sobre essa história. Vou pedir para que façam uma investigação detalhada sobre esse caso e encontrem o verdadeiro assassino. – olhou para Ricardo, que o olhava com temor. ____ E aí tirem o meu nome dessa história toda. – e se retirou.

S. Alípio e D. Ruth permaneceram à sala, confusos e intrigados, enquanto que Ricardo sentia um medo tomar conta de si.

Capítulo Quatro

Teobaldo recebeu a ligação de várias pessoas, entre elas Sara que estava assustada com a notícia por ter visto uma foto sua em telejornal.

____ Téo, o que é que está acontecendo? Por que a nossa foto saiu no telejornal? Por que estão te acusando disso?

____ Eu estou desesperado, Sara. Estão me acusando de uma coisa que eu não fiz.

____ Calma, Téo. Você precisa manter a calma.

____ As pessoas quando me vêem na rua me olham assustadas, algumas ficam cochichando, apontando o dedo na minha direção. Não sei o que vou fazer.

____ Calma, Téo. Você procurou o seu advogado pra te ajudar nisso?

____ Já. Falei com ele ontem. O Ricardo também deve prestar esclarecimento. Quero ver o que ele vai dizer.

____ Você suspeita dele?

____ Eu não sei... mas ontem estive lá na mansão e coloquei ele contra a parede. Ele estava apavorado, com o rosto pálido... Não confio em Ricardo... Mas também não acredito que ele possa ter feito uma coisa dessas...

____ Talvez seja tudo um engano.

____ É o que eu espero que seja.

Naquele mesmo dia, ele recebeu a visita de sua mãe que, assim que soubera do caso, saíra de Angra preocupada em poder ajudá-lo.

____ Meu filho! – disse ela a abraçar-lhe, entre lágrimas.

____ Mãe, você veio... –disse ele em tom de bronca. ____ Não precisava mãe. Eu vou resolver esse caso sozinho. Não quero que você se perturbe com isso.

____ Não, meu filho... Eu vou ficar com você... Nós vamos provar a sua inocência.

Téo olhou para sua mãe com um misto de agradecimento e pena. Não queria que sua mãe sofresse por sua causa. Mas se sentia confortado em saber que havia pessoas que acreditavam na sua integridade moral.

Mais tarde foi ele que pôde conversar com o seu advogado. Foi até o escritório do doutor Nogueira para se esclarecer sobre o caso.

____ E então, doutor? O que eu posso fazer? Como é que vai ficar essa situação?

____ Bom. – começou o doutor Nogueira. ____ Eu estive lá na delegacia averiguando o caso e vi o seu irmão gêmeo prestar esclarecimento.

____ O que foi que ele falou?

____ Ele disse que também estava em casa na noite do crime.

Téo ficou calado. Doutor Nogueira continuou:

____ Acontece que a mulher afirma veemente que foi um de vocês dois que estava lá naquela hora naquela estrada.

____ Ora, mas ela pode ter se enganado...

____ Num caso desses, o juiz considera um flagrante. Mesmo a mulher estando de longe, ela afirma que a pessoa que estava lá era igual a vocês. Nesse caso, a polícia vai investigar melhor os fatos, e como no caso são dois os suspeitos, e irmãos gêmeos, eles vão encaminhar o caso para o instituto de criminalística, que vai averiguar quem é que estava lá na cena do crime, com aquela moça.

____ Mas como eles vão saber quem estava lá se eu e meu irmão somos iguais?

Nessa hora o Doutor Nogueira se levantou de sua poltrona e disse:

____ Vocês podem ser iguais aparentemente, mas as suas digitais são únicas. Eles vão examinar o corpo da jovem que foi assassinada e fazer um exame para saber de quem são as digitais que serão encontradas no corpo dela. Além disso, irão procurar algum fio de cabelo que possa ser do assassino, o qual eles vão poder descobrir através de um exame de DNA, que também é único mesmo vocês sendo irmãos gêmeos.

Téo ouviu aquelas palavras do seu advogado e ficou calado, se preparando psicologicamente para o longo processo judicial que estava por vir, em que ele teria que disputar a sua inocência com seu próprio irmão.

Capítulo Cinco

Ricardo chorava em seu quarto, sentado na cama, com as mãos a tapar o rosto, quando D. Ruth entrou e ao ver ele chorando daquele jeito, indagou aflita:

____ Oh, meu filho, por que você está chorando?...

Ricardo, aos soluços, respondeu:

____ Eu estou desesperado, mãe...

____ Ora, mas por que, meu filho?

____ Porque... eu posso ir preso...

Ela sentou-se ao seu lado e envolveu-o em seu braço, preocupada.

____ Mas isso não vai acontecer. Eu e o seu pai vamos dar um jeito de você sair dessa.

____ Não vai adiantar...

____ Por quê? – indagou ela assustada.

Ele então levantou da cama e virou-se, respondendo-a olhando bem fundo nos olhos:

____ Por que eles vão encontrar as minhas digitais naquela moça.

____ Mas é claro que não. Eles não vão encontrar suas digitais lá, porque você não estava... – então, de repente, parou e entendeu o que ele queria dizer. Arregalou os olhos, espantada. Ricardo a olhava choroso. Ela não pôde se conter. Pôs as mãos na boca, exclamando: ____ Oh, não...! Não... Meu filho, não... – e então chorou lágrimas desesperadas.

Ricardo, também desesperado, afirmou:

____ Mãe... eu não vou agüentar ter que ir pra cadeia... eu não vou agüentar viver lá... Se eu for pra lá, eu vou morrer...

____ Não diga isso, meu filho. – ela pediu chorosa.

____ Não... eu vou morrer... Eu não vou agüentar e vou me suicidar... Não vou conseguir suportar esse sofrimento... – falou.

____ Oh, meu filho... – chorou D. Ruth. ____ Nós... nós vamos dar um jeito nisso.

____ Não, mãe. – disse ele, sério. ____ Não vai ter como dar um jeito... eu vou ser condenado... e se eu for pra cadeia, eu vou me matar.

____ Não diga isso, meu filho! – suplicou D. Ruth.

____ É sim... É assim que vai ser... A menos... a menos que a senhora convença o Teobaldo a se acusar por mim.

____ O-o Teobaldo? – indagou ela, surpresa. ____ M-mas... eu não posso fazer isso.

____ Então eu vou morrer! – disse ele aproximando o rosto dele do dela ameaçador, a fazendo se assustar. ____ Pense bem, mãe. Se ele for pra cadeia no meu lugar, vai ter mais chances de suportar... Eu sei que eu não vou agüentar. Pense bem nisso, mãe... – e se retirou do quarto, a deixando confusa e nervosa.

Capítulo Seis

Em seu trabalho, Téo estava sofrendo com o preconceito por ser suspeito de um crime que não cometera. Entre os que o olhavam torto, Carlos, o gerente de RH que tinha inveja dele, aproveitava para atingi-lo com suas ironias:

____ Coitada, uma moça tão jovem, tão bonita. Só mesmo um ordinário para fazer isso com ela. E burro também. Porque deixou diversas pistas no lugar.

Téo o olhava com raiva. Ele continuou:

____ Mas ainda bem que logo, logo vão descobrir as impressões digitais do canalha e aí eu quero ver. Muitas cabeças vão rolar... – e se retirou com um sorriso sarcástico deixando Téo com sua fúria contida.

Não estava mais agüentando aquilo. As pessoas o olhando, cochichando dele, como se ele fosse o assassino.

____ Calma, Téo. Isso vai passar. Depois que eles souberem que você é inocente, tudo isso vai passar. – disse Vanessa.

____ Eu não sei, Vanessa... Acho que a minha reputação vai ficar manchada para sempre por causa disso... As pessoas vão sempre me comparar com o meu irmão, dizer que eu sou irmão de um assassino. E por nós sermos geneticamente iguais, vão achar que eu também sou capaz de cometer um crime desses.

Mauro e Vanessa olharam-no penalizados com a situação. No fundo, sabiam que o que Téo falara era mesmo verdade. As pessoas tinham tendência a generalizarem e fazerem falsos julgamentos.

____ Mas você vai ter que enfrentar essa situação. – disse Vanessa. ____ Mas o importante é que você vai ter amigos do seu lado, porque eu e o Mauro estamos com você. Quem conhece você vai estar sempre do seu lado.

____ É isso aí, irmão. – completou Mauro.

Téo sorriu agradecido, por ter dois amigos tão legais como eles.

Em sua mansão, D. Ruth pensava desesperada. Pensara no que Ricardo lhe dissera. Ele era o seu filho querido, com quem passara toda a vida, que fora criado por ela. E o ver envolvido num caso daquele a deixava triste e desesperada. Por vezes vasculhara o armário dele, notando que ele vinha chegando estranho em casa, e encontrara comprimidos de ecstasy e outras drogas como maconha e cocaína. Sabia que seu filho era usuário de drogas. E ele já se metera em confusões, como brigas em boates, raives, por muitas vezes. Sabia que ele tinha a cabeça fraca. Não gostava de estudar, de trabalhar com seu pai e ela sabia que ele não estava brincando quando disse que não suportaria ter que ir para a cadeia. Chorou com aquele pensamento.

Pensou em Téo. Téo era um homem forte, rapaz batalhador, enfrentara muitos desafios na vida e suportara-os com excelência. Téo era muito mais forte que Ricardo, apesar de sua aparência ser mais frágil. Mas ter que fazê-lo pagar por um crime que não cometera, isso ia longe demais. Ele também era seu filho! E também não merecia sofrer tanto, mais do que já sofrera.

Mas pensava no rumo que as coisas iam tomar se Ricardo fosse preso. Ele ia acabar se matando na cadeia e seu marido Alípio ia culpá-la para sempre por não ter dado a Ricardo uma educação exemplar.

Estava aflita, nervosa. Chorava com as mãos na cabeça, a remexer os cabelos. Não sabia o que fazer.

Então, seu coração de mãe bateu mais forte e ela, com medo de perder um dos filhos, decidiu que ia sacrificar o outro.

Capítulo Sete

Téo não sabia por que estava sofrendo daquele jeito. Depois de todas as lutas de sua vida, não imaginou que pudesse ter mais sofrimento, e ainda por cima por causa de sua nova família. Perguntou a Deus por que aquilo estava acontecendo.

D. Ruth o convidara para ir na mansão dela e como ela lhe pedira suplicadamente, ele aceitou. Talvez assim conseguisse resolver o caso e fazer Ricardo se entregar, se ele fosse o assassino, pensou. Como sua mãe Madalena, que estava passando aqueles dias em sua casa, não quis ir e topar com sua família biológica, ele foi sozinho.

D. Ruth recebeu-o atenciosa, tratando-o com cordialidade. Depois, foi S. Alípio, seu pai, que o cumprimentou com um abraço apertado. E por último ele deparou com Ricardo, e os dois se olharam sérios, sem falarem um com o outro.

O jantar foi correndo bem, enquanto conversavam um pouco sobre assuntos banais, até que certa hora D. Ruth perguntou à Téo:

____ E no seu trabalho, meu filho, como está indo?

____ Bom... as coisas estão um pouco ruins pro meu lado. Com essa suspeita que tem em cima de mim, todos estão achando que eu possa ser o assassino. – e olhou para Ricardo, sério.

Nessa hora, D. Ruth interveio e disparou contra Téo:

____ Meu filho, você não acha melhor acabar com essa história toda? Dar um fim logo nisso. Acabar com esse desgaste todo, desnecessário.

____ O que a senhora quer dizer com isso? – Téo indagou, intrigado.

S. Alípio olhou para sua mulher sem entender. Ela continuou seu discurso:

____ Meu filho, veja só quantas pessoas estão sofrendo por causa disso. Eu, seu pai, seu irmão... e até você mesmo. Mas no fim, isso não vai adiantar de nada. Esse espetáculo todo só vai servir pra adiar o que já está mais do que provado. É a hora de mostrar a verdade.

____ O quê?! – indagou Téo, estupefato. ____ O que a senhora está querendo dizer com isso? Está querendo dizer que eu estou fazendo um espetáculo, que eu estou encenando, é isso?

Nessa hora, D. Ruth se levantou e disse:

____ Já está na hora de encararmos os fatos. Não podemos mais viver à base de mentiras.

Nessa os outros três se levantaram. Ela continuou, se dirigindo à Téo:

____ Você foi criado sob péssimas influências onde morava. Conviveu junto com bandidos e pessoas da pior espécie. Você acha que o juiz vai lhe dar razão quando souber disso?

Téo ficou boquiaberto, não acreditando no que sua mãe estava dizendo. Seu Alípio tentou intervir:

____ Meu amor, por que você está dizendo isto...?

____ Espera aí! – interrompeu Téo, indignado. ____ Você está querendo dizer que fui eu que matei aquela mulher?! E só porque eu cresci numa favela, é isso?!

D. Ruth, em sua encenação perfeita, rebateu Téo com um choro e uma voz indignada com o filho:

____ Você não pode fazer seu irmão pagar pelos seus crimes!!! Isso é injusto!!! Você não pode fazer isso!! – e derramou um pranto sofrido, muito bem interpretado.

____ Meu amor, pára com isso... – interveio Seu Alípio, abraçando a mulher a tentar acalmá-la do seu estado de nervos.

Ricardo assistia a tudo satisfeito, com um sorriso no rosto. Teobaldo, indignado, balançou a cabeça reprovando aquela atitude de D. Ruth e falou, com a voz engasgada:

____ Olha aqui. Se vocês pensam que podem me julgar dessa maneira, estão muito enganados. Isso não vai ficar assim. Vocês vão ver!

Ricardo, aproveitando a deixa, disse:

____ Não adianta nos fazer ameaças.

Téo o olhou com ódio e retrucou:

____ Cala essa boca, seu playboyzinho mimado!! – e se retirou da mansão, prometendo a si mesmo que nunca mais ia voltar.

Ricardo permaneceu ali, com um sorriso no rosto, enquanto sua mãe era consolada por Seu Alípio, completando o seu grande teatro.

Capítulo Oito

Téo estava indignado com a atitude de sua família biológica. Sua mãe, Madalena, quando soube por ele o que D. Ruth lhe fizera, quis tirar satisfação com a mesma, mas ele interveio pedindo para que não se metesse naquilo.

Andando pelas ruas, sentia a desconfiança e o espanto das pessoas ao o verem e relacionarem seu rosto com o das suas fotos que saíram na imprensa. Não se sentia mais à vontade em andar na rua. Nas bancas ele e seu irmão eram o centro de todas as capas de jornais, onde sua foto e a dele estavam lado a lado. Os títulos mais comuns nas reportagens eram: “Qual dos dois é o assassino?”, “Um dos gêmeos é o assassino: como saber qual?” e “Qual dos gêmeos está dizendo a verdade?”. Em algumas delas, ainda tinha um breve histórico da vida de cada um: Téo, que fora criado numa favela de uma cidade interiorana, estudara e se esforçara para subir na vida; e Ricardo, criado junto com a sua família verdadeira, vivendo em conforto e estudando nas melhores escolas, crescendo sob a influência de pessoas intelectuais e da mais alta classe.

Para o povo, aquele era um dilema difícil de resolver. A historia da infância de Téo, criado numa favela em convivência com muitos tipos de bandidos, trazia certa desconfiança, mas em contrapartida o fato dele ter estudado e se esforçado mais que o outro irmão para subir na vida, somado ao fato de que sofrera no passado passando por dificuldades, sendo que o destino o separara de sua família verdadeira, davam certa pena nas pessoas e um sentimento de compaixão pelas que acreditavam na sua inocência e o viam sofrer mais essa. Mas por outro lado, também haviam aqueles que achavam que Ricardo era inocente, por ser um rapaz bem educado, ter convivido com os pais longe da violência, e que de repente Téo ao conhecer sua família verdadeira, passou a sentir raiva da sorte de Ricardo e quis prejudicá-lo.

A dúvida entre as pessoas era grande. Até entre as mais próximas existia essa incerteza quanto aos dois. O fato era que todos esperavam pelo resultado da pesquisa feita pelo instituto de criminalística, que descobriria amostras de DNA ou de impressões digitais que seriam analisadas para que fosse comprovado o verdadeiro assassino. Enquanto isso, a história caía na boca do povo:

____ Eu acho que quem matou foi o Teobaldo. – disse uma senhora na rua para a que estava ao seu lado.

____ Eu não acredito. Por que a senhora acha que foi ele?

____ Ah... porque pela cara dele você vê. Ele cresceu numa favela, como acha que ele subiu assim na vida? Ah, alguma coisa aí tem. Pra mim esse menino é bandido. E agora arrumou essa pra poder incriminar o irmão, pôr ele na cadeia e tomar tudo o que é dele.

____ Você acha isso...??

E também tinham as que eram a favor de Téo:

____ Coitado desse menino, sofreu tanto... Agora está sendo acusado justo por ter um irmão gêmeo. Que irmão esse que ele foi arrumar! – disse uma outra senhora.

____ Mas mãe, como sabe se ele mesmo não é o assassino? – perguntou a filha dela, uma adolescente.

____ Porque dá pra você ver pela cara dele. – disse a outra apontando para a foto no jornal. ____ Olha só a foto do irmão dele, olha a cara de bandido que ele tem. Deve ser um desses filhinhos de papai que vivem fazendo besteira e depois colocando a culpa nos outros. Além disso – ressaltou. ____ a mulher que viu o assassino disse que ele tem cabelo bem curto. E olha aqui, ó, o irmão rico, olha a cara de safado dele. Ele tem cabelo bem curto!

____ Ah, mãe, mas isso não quer dizer nada. A mulher viu a pessoa de longe, não dava pra saber qual dos dois era.

E entre os mais próximos, haviam os empregados da mansão dos Mendonça, que acreditavam na inocência de Teobaldo, quase que por unanimidade.

____ Eu não acredito que o Teobaldo tenha feito uma coisa dessas. Ele é um menino muito educado, muito bondoso, sempre nos tratou muito bem. – dizia uma empregada na cozinha para as outras. ____ Pra mim isso é coisa de gente drogada, que usa drogas e depois fica alucinada, igual a esses filhinhos de papai aí que estupram as mulheres, agridem as pessoas na rua. – disparou, já que todos na mansão desconfiavam que Ricardo era usuário de drogas, pelas festas que ele dava e pela maneira como às vezes chegava em casa.

____ Não confio nele... – disparou uma outra empregada, não citando o nome de Ricardo.

____ Às vezes as aparências enganam. – disse um motorista. ____ Tem muita gente aí que se finge de boazinha pra depois passar a perna nos outros. Vocês não viram o jeito como ele saiu daqui outro dia, gritando com todo mundo?

As duas olharam-no, caladas.

E no trabalho de Téo, eram muitos que não acreditavam na sua inocência, com poucas exceções, como Vanessa e Mauro.

____ Esse menino é muito esquisito. – disse uma funcionária. ____ Desde que ele veio pra cá, vive sempre de cara fechada, só fazendo relatório, conta, não fala com quase ninguém, só gosta de fazer cálculo.

____ Você acha isso? – disse uma outra que estava ao lado. ____ Eu acho que ele é muito tímido, retraído. Acho que foi por causa dos traumas do passado, né. Ou então porque ele seja muito trabalhador e não se interrompa pra falar com ninguém...

A primeira que tinha falado a olhou com ironia sobre essa última frase e Carlos completou o assunto:

____ Pra mim ele é um assassino desvairado. Não tem piedade de ninguém e faz o possível para pisar nas pessoas que não lhe convém. Por que vocês acham que ele subiu tão rápido aqui na empresa?

Na verdade, o que todos não sabiam era que para Téo aqueles estavam sendo os piores dias de sua vida, em que ele passava por um sofrimento que ele nem sabia entender o porquê. Andava pelas ruas da cidade grande se sentindo um monstro, tendo sua vida revelada e analisada a público, tirando a sua privacidade e a paz pela qual ele tanto lutara para ter.

Capítulo Nove

Ricardo andava de um lado para o outro, aflito. O resultado do primeiro exame da perícia ia sair dali a alguns minutos. Seu advogado estava ao seu lado, assim como sua mãe, D. Ruth, e Seu Alípio, seu pai, que ansiosos esperavam por um resultado da perícia que comprovaria a inocência ou a culpabilidade de um de seus filhos. E quando foi anunciado o resultado, eles tiveram uma surpresa:

____ Não foram encontradas digitais no corpo da jovem nem fios de cabelo dos dois gêmeos no local do acidente.

Ricardo, que antes estava com o coração na mão, suspirou aliviado, sem acreditar no que estava ouvindo. Que sorte! Por sua sorte, não tocara em Amanda de modo a deixar suas impressões digitais no corpo dela. Seu advogado, satisfeito, esclareceu a situação:

____ Nesse caso, você e seu irmão não serão acusados do crime. A perícia investigará se a morte dela foi por mero acidente, já que foi constatado que ela estava drogada. Provavelmente, irão concluir que ela em seu desatino se jogou daquele penhasco.

A mãe de Amanda, que estava próxima a eles acompanhada de seu marido, ouviu o que o advogado falara e berrou no meio do lugar:

____ Minha filha não se jogou daquele penhasco! Minha filha foi assassinada! Aquela mulher, catadora de latas, ela viu você a jogando daquele precipício! Eu vou fazer justiça! Isso não vai ficar assim!

Os policiais seguravam a mulher enquanto que ela, indignada, aos prantos, berrava para Ricardo:

____ Você vai pagar pelo seu crime! Eu não vou descansar enquanto não fizer justiça pela minha filha!

D. Ruth, S. Alípio, o advogado e Ricardo olharam-na assustados e, sabendo das condições financeiras e poder e aquela família tinha, previram o furacão que estava por vir. Aquela história não ia terminar ali.

Capítulo Dez

Téo caminhava pelas ruas da cidade, o vento a esvoaçar seus cabelos naquela tarde cinzenta. Nas calçadas, páginas de jornais voavam mostrando a notícia de que a polícia não fechara o caso de Amanda e que ele e Ricardo ainda eram suspeitos do crime devido a denuncia que a catadora de latas fizera.

Sua vida estava sendo abalada, como um furacão a tirá-la de ordem. Naquele mesmo dia, horas antes, seu chefe, S. Euclides, o anunciara que os acionistas tinham decidido afastá-lo da empresa até que aquele caso fosse resolvido, pois a sua presença na empresa naquele momento poderia ferir a imagem dela. Frustrado com o que estava acontecendo, minutos antes, fora no escritório do seu advogado, o qual tentando mantê-lo calmo, dissera-lhe que mesmo ele sendo suspeito, não haveria de ser condenado injustamente, pois não haviam provas concretas, e nem relatos de um gêmeo ter sido preso erroneamente. A polícia iria investigar bem o caso.

Mas ele ali nas ruas, observando todos os olhares de desconfiança das pessoas sobre si, percebeu que precisava se recolher, para sua própria segurança. Era chegada a hora de sair da cidade grande até que as coisas se acalmassem.

E assim, entristecido por estar passando por aquilo sem ter culpa, arrumou suas malas com sua mãe e naquele mesmo dia, foi se refugiar em Angra, até que pudesse tomar sua vida de volta.

...

Em Angra, Téo pôde rever Sara. Abraçou-a fortemente, como a receber as energias positivas que ela lhe dava, de apoio, de otimismo, de fé.

____ Sara... – Téo abafou, ao abraçar sua namorada.

Sara sentia a fraqueza de seu amado, seu cansaço com todas as coisas que estavam acontecendo com ele e, então, o embalou com o calor de seu corpo, recheado pelo seu verdadeiro amor.

____ Eu te amo, Téo... – ela disse. ____ Eu vou ficar do seu lado, custe o que custar.

Ele a olhou com brilho nos olhos e, contagiado por aquela emoção, beijou-a com ardor, enquanto sua mãe Madalena os assistia comovida, embalados pela luz das estrelas.

Capítulo Onze

Nas ruas da cidade de Angra, Téo não sentia a segurança que pensara que iria ter. As pessoas o olhavam com a mesma raiva, a mesma desconfiança, que nos outros lugares, até mais. Lembravam da última vez em que ele fora para lá e desfilara com soberba e arrogância, e agora sentiam vontade de se vingar.

____ Olha lá, o assassino passando! – gritou um dos comerciantes na multidão da rua.

Téo, que no passado fora pobre e humilhado por aqueles comerciantes, depois ficara rico e os humilhara, agora era humilhado novamente, sentindo a dor de volta em seu coração. Sara, que estava ao seu lado caminhando consigo, berrou a proteger seu amor:

____ Ele não é assassino!

____ É um assassino sim! – berrou uma outra mulher na rua. ____ Um assassino arrogante!

____ Não! – retrucou Madalena, que também estava ao lado de Téo. ____ Meu filho não é assassino! Estão todos enganados!

Téo, sentindo a vergonha em si, não quis dizer nada para provar sua inocência, apenas apressou os seus passos a fugir dali, cabisbaixo, sentindo remorso, por tê-los mostrado soberba da última vez, e pena de si mesmo, pelo que estava passando. Sara e Madalena ficaram ao seu lado, no meio do caminho para o carro, enquanto a multidão o vaiava no centro da cidade. Ele deparou com a figura de Katina, que o olhava com uma fisionomia enigmática no rosto. Nesse momento ele sentiu mais remorso ainda pelo que havia feito, e abriu a porta do carro para Sara e sua mãe entrarem. Mas quando ele ia entrar, Katina, que sentiu que aquela era a oportunidade de falar com ele, correu atravessando a rua ao seu encontro, dizendo:

____ Téo!

O rapaz virou-se, surpreso, a ouvi-la. Ela continuou, firme:

____ Téo, eu preciso dizer a você... que eu acredito na sua inocência.

Téo paralisou-se, estupefato. Ela sorriu, suave, com um brilho intenso em seu olhar:

____ Eu sei que a nossa história não foi lá muito boa, passamos por muito coisa... mas o destino nos separou. O nosso último encontro não foi muito amigável... mas... eu pensei em muita coisa do que você me disse...

Naquele instante, tanto ele quanto ela sentiram que aquele era o seu último encontro. O Sol brilhava intensamente, a iluminar os seus olhos.

____ Eu vou refazer minha vida. – disse ela. ____ Recuperar meu tempo perdido... E eu torço para que você também consiga vencer! Eu acredito na sua vitória.

Téo, emocionado, não soube o que dizer, talvez pelo constrangimento do encontro anterior. Apenas sorriu, como a agradecer as palavras dela, assim como ela sorria. E assim, num sorriso, os dois se despediram, ele adentrou no carro e partiu dali, enquanto que a multidão ainda clamava por justiça.

Capítulo Doze

A perícia continuou com as suas investigações. Ricardo, em seu desatino, se entupia de drogas, para esquecer de tais problemas, se afundando ainda mais, enchendo sua cabeça de maus pensamentos, dos mais sádicos e absurdos possíveis.

Em sua alucinação, decidiu que era preciso seduzir Sara a fim de ter uma aliada para a derrubada de Téo.

Então, naquele fim de semana, viajou para Angra com o intuito de encontrá-la. Como sabia onde a mãe de Téo morava, ficou próximo a casa, esperando uma oportunidade em que Sara saísse sozinha para que ele pudesse abordá-la.

Assim, por volta da tarde daquele dia, ele a viu sair da casa de Madalena e pegar o carro de Téo sozinha, indo para algum supermercado na cidade fazer compras.

No supermercado, enquanto ela se abaixava a procurar o extrato de tomate mais barato, surgiu Ricardo à sua frente, a assustando, reconhecendo-o logo de cara pela diferença física que havia entre ele e Téo.

____ Como vai, Sara...

Ela olhou para ele com uma fisionomia séria e respondeu:

____ O que você quer aqui?

Ele a olhou com ar sedutor e foi se aproximando, a deixando um pouco confusa e abalada. Na verdade, a presença de Ricardo, que era idêntico ao seu amado Téo, fazia-a sentir certa atração pelo moço, até por seu porte físico ser mais trabalhado que o de Téo.

____ Só vim aqui conversar com você. Também estava fazendo minhas compras e quando a vi, decidi conversar com você. Está tudo bem? – indagou ele, estendendo a mão para ela.

Ela, tentando se libertar da sensação que sentia ao vê-lo, pensou em seu amado que estava sofrendo e rebateu, firme:

____ Não, infelizmente as coisas poderiam estar melhores, se não fosse por você. – e virou-se para o outro lado.

Ele, aproveitando a raiva dela, a seguiu, pois era um exímio sedutor, e sabia que a raiva tornava as pessoas mais vulneráveis.

____ Mas, Sara, eu juro pra você que eu nada tenho a ver com essa historia... Eu não matei ninguém... eu sou inocente...

Sara, ouvindo aquelas palavras com a mesma voz de seu amado, por um homem igual a ele, ainda mais atraente, sentiu-se confusa. Pálida, levemente abalada, parou por um instante e olhou fixamente para ele. Precisava se libertar daquela sensação. Então, olhou fixamente para os olhos dele, que eram azuis como os de Téo, e penetrou fundo em seus próprios pensamentos, para que pudesse finalmente distinguir um do outro. Em sua mente, veio a figura de seu amado, com os olhos azuis brilhando românticos e seu sorriso cativante, em contraste com os olhos secos de Ricardo, e seu rosto endurecido pelos anos de academia e anabolizantes. Mesmo com aquele jeito sedutor, Ricardo não pôde seduzir Sara, que era inteligente demais para cair em armadilhas e disse-lhe:

____ Eu não acredito na sua inocência. Eu sei que você quer incriminar Téo no seu lugar, porque você é um homem mimado que quer tudo do seu jeito, mas dessa vez não vai ter. Vai chorar no colo da sua mamãezinha que eu tenho mais o que fazer. – e se retirou dali.

Sara provou o seu amor por Téo. Ricardo estava derrotado.

Capítulo Treze

Téo e Sara beijavam-se na beira de um penhasco, iluminados pela luz daquele entardecer simbólico, com a paisagem do mar infinito à sua frente, anunciando a chegada do fim de sua história.

____ Não importa o que aconteça, eu vou ficar com você. – disse ela.

Ele a olhou com carinho e gratidão, e disse:

____ Obrigado por estar comigo, Sara.

Sara conseguira fazer ele esquecer da decepção do passado e da sua falta de esperança no amor verdadeiro. Ela fora a mulher que batalhara, lutara para vencer na vida, sofrera com a perda dos pais, que correra atrás para conquistar o seu espaço no mundo e o coração do seu amado. Era uma vencedora. Téo a admirava por isso. Mas antes que pudesse pedir para tê-la por toda a vida ao seu lado, teria que resolver seus problemas no presente, enfrentar seu último desafio.

E assim, juntos naquele entardecer, admiraram aquele último pôr-do-sol, que anunciava a chegada do fim.

Últimos Capítulos

Capítulo Quatorze

Téo andava pelas ruas de Angra, usando um boné e óculos escuros para não ser percebido, quando de repente avistou a figura de seu pai adotivo, Eriberto, bebendo num boteco com outros homens.

Naquele instante, a primeira emoção que sentiu foi a grande surpresa de tê-lo encontrado e na mesma hora a lembrança da promessa de vingança veio-lhe à mente. Como se tivesse achado algo precioso, a sua caça, não poderia deixar escapar. Então, se aproximou de seu pai com o coração acelerado, o sangue subindo à cabeça, pronto para extravasar toda a raiva contida por todos aqueles anos de sofrimento que ele lhe impusera. Não podia perder a oportunidade de vingar sua vida.

____ Seu maldito! – disse, virando S. Eriberto pelo braço. ____ Pensou que ia se livrar de mim?! Pensou que depois de tudo o que você fez, ia poder ter sua vida tranquilamente tomando a sua cachaça?!!

S. Eriberto, mesmo embriagado, pôde notar a fúria que vinha dos olhos de Téo, cobertos de rios de sangue. Então, arregalou os olhos, apavorado, sentindo um medo que nunca sentira em sua vida.

____ É a hora do nosso acerto de contas! Seu desgraçado!!! – berrou Téo, dando um murro na cara de Eriberto.

E logo toda a rua assistiu a briga dos dois, assustando a todos. Téo, bravo como um leão, rugia:

____ Você me tirou da minha família! Me fez viver uma vida condenada! Por sua causa estou aqui, sendo acusado de um crime que não cometi!

____ ... eu não tive nada a ver com esse episódio... – falou S. Eriberto, caído no chão, o sangue a escorrer pelo nariz.

____ Mas você foi o responsável por me dar um destino que não era pra ser meu! – berrou Téo, o segurando furioso pelo colarinho. ____ Por eu não ter tido conforto, por não ter tido uma família feliz, uma vida mais tranqüila!!! Por sua culpa eu sofri todos esses anos! Tive que trabalhar desde novo, estudar feito um condenado, morar numa favela perto da violência, ver o meu irmão morrer!!!... – enquanto dizia, lágrimas rolavam de seus olhos. ____ Você foi o responsável por tudo isso!

Eriberto o olhava sem emoção, sendo levantado pelo colarinho por Téo, que continuava:

____ Mas você cometeu um crime! Você me seqüestrou! E agora vai ter que pagar pelo seu crime! Eu vou acabar com a sua vida!!!

Nessa hora, Eriberto, que esteve calado desde então, pôs-se a falar, fazendo uma grande revelação:

____ Eu não seqüestrei você.

____ Como não?! – indagou Téo, revoltado. ____ Todo mundo sabe que você me seqüestrou, seu desgraçado! Todo mundo sabe que você fez isso porque os Mendonça tinham te demitido, você fez isso por vingança!

Eriberto esclareceu:

____ Eu não seqüestrei você, eu já disse... vocês estão todos enganados... o Dr. Alípio não é o seu pai, e nem daquele moleque igual a você...

____ Quê...? – indagou Téo estupefato, com os olhos arregalados.

____ Você... e o seu irmão... são filhos de um amante da mãe de vocês, D. Ruth. Um médico... que seqüestrou você quando nasceu... para se vingar dela, que não aceitou se casar com ele...

Pela primeira vez S. Eriberto sentiu pena de Téo. O moço, estarrecido, não podia acreditar naquela história que estava ouvindo. Largando o pai adotivo, olhou para os lados, a balançar a cabeça, confuso, perdido, dizendo:

____ Não... não pode ser... – e então, dirigindo-se para Eriberto, perguntou: ____ Mas como você sabe disso tudo?

S. Eriberto respondeu, com profunda pena de Téo:

____ Porque foi exatamente ele que me entregou você em meus braços. E ameaçou a mim e à minha família se eu contasse toda a verdade para a família Mendonça.

Téo estava perdido. Seu olhar, que antes estava como um mar de sangue do mais profundo ódio, expressava agora a mais profunda perdição, pondo pena em todos os presentes.

____ Uma vingança de amor... – ele abafou. ____ Eu fui vítima de uma vingança de amor...

S. Eriberto o olhava com um misto de pena e arrependimento por ter-lhe contado toda a verdade. Téo olhou para ele, todo o ódio que sentia antes pela sua pessoa indo embora, e dando lugar a uma grande frustração. Pelo seu olhar, passou o brilho de um primeiro sentimento de gratidão por Eriberto.

____ No final... – ele abafou. ____ Você não foi o vilão...

S. Eriberto sentia as lágrimas rolarem de seus olhos.

____ Você também não passou de outra vítima... – abafou Téo pela última vez, deixando a lágrima de dor cair de seu olho azul em seu rosto sofrido.

As sirenes da policia anunciaram a chegada dela. Os policiais, tendo recebido a denúncia da agressão feita por Téo e sua ameaça contra o pai, o algemaram no meio da rua, enquanto as lágrimas jorravam em seu rosto como a tristeza que inundava o seu coração. Pegaram-no pelos braços e levaram-no para a viatura, enquanto que a multidão, finalmente comovida com a sua situação, pedia para que o soltassem...

Capítulo Quinze

Téo foi levado para a delegacia, algemado, e foi encaminhado para a cela. Como tinha nível superior, ficou numa cela separada, especial para ele. Não estava suportando aquela situação. O delegado, preocupado com a reação da mídia sobre si, devido a suspeita de assassinato em cima de Téo, decidiu deixá-lo preso.

O Doutor Nogueira pediu um Hábeas Corpus, para que Téo fosse liberado no dia seguinte. Porém, devido à repercussão do caso pela imprensa e todo o envolvimento do seu cliente no caso de Amanda, somado ao último acontecimento em público, o juiz pediu a sua prisão preventiva, até que chegasse o dia do julgamento.

Téo estava atrás das grades. Em seu sofrimento desolador, chorava inconsolavelmente, não acreditando que depois de tudo o que fizera para vencer na vida honestamente, estaria ali naquela cela suja e fria, como um rato bandido. Não conseguia aceitar que as forças da vida o haviam levado para aquele destino.

Em sua mansão, S. Alípio, ao saber da prisão de Téo e a verdade que S. Eriberto contara a ele, bradou contra Ruth sua revolta por ter sido enganado todos aqueles anos, expondo seu frágil coração a uma emoção que ele não agüentaria:

____ Você acabou com as nossas vidas!!! Eu quero saber quem é esse médico maldito!!!

D. Ruth, aos prantos, desesperada, revelou:

____ Ele está morto...

____ Morto?! – bradou S. Alípio, incrédulo, com sua fúria incontida. ____ Um vagabundo desses faz uma coisa dessas comigo e você me diz que ele está morto?! Como?!

____ Ele... faleceu há alguns anos... suicidou-se...

D. Ruth então derramou lágrimas sofridas, por tudo o que estava acontecendo, pelo rumo inesperado que as coisas estavam tomando.

S. Alípio, revoltado, berrou como nunca antes:

____ Sua vagabunda!!! Sua mau-caráter!!! Olha só o que você fez! Acabou com a nossa família! Por um romancezinho barato com um desequilibrado!!!

Mas Ruth, em sua vergonha, não ousava dizer nada, enquanto todos na mansão assistiam a cena, incluindo Ricardo.

____ Você só pensou em você esse tempo todo! Você nunca amou ninguém! – continuou S. Alípio. ____ E agora seu filho está lá, preso!!! Um homem bom, que lutou pra poder vencer na vida!! E você acabou com a vida dele!!

D. Ruth só chorava, desesperada.

____ E esse menino aí – disse S. Alípio, apontando para Ricardo. ____ Olha como você criou esse rapaz! Um homem mimado e cheio de vontades, que foi capaz de incriminar o próprio irmão por um crime que ele cometeu! Nem pra ser mãe você serviu!

____ Eu não matei ninguém, pai. – tentou Ricardo.

____ Matou sim! – berrou S. Alípio. ____ Você foi o responsável pela morte daquela moça, está na cara! Mas dessa vez ninguém vai te defender! Eu não vou deixar o seu irmão sofrendo por sua causa! Eu mesmo vou te levar até a delegacia e fazer você confessar que cometeu esse crime!!! Aaah!...

Mas naquele instante, S. Alípio não pôde fazer mais nada, pois o seu coração apertara numa dor sufocante, que nunca tivera antes. Assim, caiu de súbito no chão, desfalecido.

D. Ruth e os empregados tentaram acudi-lo. Chamaram a ambulância que logo veio buscá-lo. Quando ele partiu, e a mansão ficou em silêncio, Ricardo sentiu um grande peso tomar conta de si. Viu sua mãe ir chorando desesperada para o quarto, inconsolável, e os olhares dos empregados sobre ele, o reprovando pelos seus atos. Era o culpado de tudo. Não merecia viver.

Então, em seu desatino, tomou vários comprimidos de droga e entrou em sua alucinação, como a fugir daqueles problemas. Pegou seu carro e seguiu pela estrada, quando de repente perdeu a direção e bateu num caminhão violentamente.

Seu carro capotou várias vezes, ficando todo estraçalhado. Seu rosto, intacto, tinha a marca de um único corte a jorrar sangue, e naquele instante ele finalizava com a sua vida vazia...

Na delegacia, Sara chegou aflita e com o coração apertado, indo ver o seu amado que estava preso atrás das grades.

Quando a viu, ele se levantou do chão a recebê-la e ela pode notar o seu visível abatimento. Triste ao vê-lo daquela forma, daquele jeito, não pôde deixar de chorar, e pôs-se a beijá-lo com amor. Passado o beijo, teve que dar a noticia para ele:

____ Eu tenho que te contar... Hoje, o Ricardo saiu de casa... Ele estava dirigindo em alta velocidade pela estrada... quando de repente... perdeu a direção... e acabou batendo num caminhão... – e sentiu o coração apertado, ao revelar: ____ Ele morreu.

Teobaldo arregalou os olhos, sem poder acreditar. A única chance de provar a sua inocência estava perdida.

Capítulo Dezesseis

Seu Alípio estava internado num hospital, em estado semi-inconsciente, com suspeita de um infarto iminente. D. Ruth, ao saber da morte de Ricardo, ficou desesperada, desolada, tendo que ela sozinha se responsabilizar pelo seu enterro.

Na cadeia, Téo permanecia preso, pois que a Justiça não liberara sua soltura por pressão da população, da imprensa e da família de Amanda, que tinha certa influência na sociedade. E assim, ele esperava pelo julgamento, que seria dali a alguns dias.

Durante esse período, Katina pediu o divórcio ao seu marido, o qual não aceitava que ela fosse embora de sua casa.

____ Você não pode fazer isso comigo, não depois de tudo que eu fiz por você e pela sua família. – disse Bruno, o marido dela.

____ Bruno. – falou Katina. ____ Pra que continuarmos vivendo uma vida de aparências? Eu sei que você já fez muito por mim e eu sou e serei sempre muito grata por tudo isso. Mas eu não amo você, você sabe disso...

Bruno ficou cabisbaixo. Ela retomou:

____ E você também, tem que aprender a ser você mesmo. – disse com um brilho enigmático no olhar.

____ O que você quer dizer com isso? – ele indagou.

Ela se aproximou dele e com sua voz amiga, disse:

____ Bruno... você não precisa mais esconder isso de mim... Eu sei que você também sente atração por homens, que é bissexual.

Bruno arregalou os olhos, apavorado. Mas Katina o acalmou com seu sorriso.

____ Bruno... a vida não é fácil pra ninguém... tanto eu quanto você, escolhemos seguir por um caminho que parecia ser o mais fácil, pra fugirmos dos nossos problemas. E, no entanto, não conseguimos ser felizes.

Bruno a olhava, admirado.

____ Mas nunca é tarde para se começar de novo. – ela disse. ____ E eu acho que é chegada a hora de corrermos atrás do que pode nos fazer felizes.

Ele concordava com o seu olhar. Então, perguntou:

____ Mas o que você pretende fazer da vida? Arrumar um outro homem?

____ Não... - ela respondeu pensativa. ____ Na verdade, o que eu mais quero é batalhar pra ter o que é meu. Construir minha própria vida, sem depender de ninguém. O resto é conseqüência.

____ Entendo... – ele disse, um pouco envergonhado pela situação.

____ E você? – ela perguntou, com carinho. ____ Já pensou na possibilidade de ser feliz ao lado de uma outra pessoa?

Bruno sorriu de leve, e disse:

____ Não tenho essa pretensão... Afinal de contas, meus pais jamais aceitariam.

____ Bruno. – ela disse. ____ Você já é um homem. Dono do seu próprio nariz. Você tem que viver sua vida, sem depender que alguém aceite a sua forma de ser feliz. Você não deve se preocupar com o que os outros vão pensar. Até porque ninguém precisa saber. Isso é um problema seu e ponto.

____ É, você tem razão...

Ela pôs a mão no rosto dele, tocando-o de leve, e disse:

____ Eu tenho certeza que você vai encontrar alguém que o fará muito feliz, e que você também vai fazer feliz, assim como me fez, construindo uma família comigo.

Bruno sorriu, agradecido, e falou:

____ Eu também torço por você.

____ Amigos? – ela perguntou, estendendo sua mão.

____ Amigos. – respondeu ele, apertando a mão dela.

E assim, Katina retomou sua vida, mudando o rumo dela. Saiu da casa de Bruno, se separou, arrumou um emprego e sustentou a si e aos seus filhos com a ajuda dele, recuperando sua dignidade. Ele, impulsionado pelas palavras dela, assumiu para si mesmo os seus sentimentos e passou a correr atrás de um amor verdadeiro.

Naquele fim de ano, Elcinho comemorava a sua vitória no vestibular e a sua entrada na universidade, depois de tantos anos de estudo, enquanto que Ronaldo, seu irmão, fazia o seu primeiro gol como jogador da Seleção, dedicando-o ao seu amigo Téo, que naquele momento passava pela maior prova de sua vida.

Sara, em seu amor incondicional, ia visitar Téo na delegacia sempre que era possível, levando para ele roupas, comidas, livros, seus beijos e abraços, para que ele não se sentisse sozinho nem desamparado.

Ele, já convicto do amor que agora sentia por ela, pedira à sua mãe, Madalena, comprar uma aliança para que ele pudesse pedir Sara em casamento.

____ Você aceita se casar comigo? – ele perguntou. Na verdade, estava fazendo o pedido ali naquele momento porque não sabia se iria sair da cadeia. Então, era necessário pedir antes que o julgamento chegasse.

Ela, completamente emocionada, não pôde conter as lágrimas, e respondeu:

____ Bom... não era bem esse o lugar que eu imaginava que isso ia acontecer, mas... eu aceito. – e sorriu, contente.

Téo então colocou a aliança no dedo dela e a beijou. Os dois se abraçaram fortemente. Mesmo apesar de tudo, Sara estava feliz, pois conquistara o grande amor de sua vida e sentia-se vitoriosa por isso.

Penúltimo Capítulo

Teobaldo seguia pelo corredor escuro do presídio, com as mãos algemadas, sendo escoltado por dois carcereiros, indo em direção à viatura que o aguardava lá fora.

O carro foi seguindo pela cidade até que chegaram no fórum, onde ele desembarcou e uma multidão de fotógrafos e jornalistas se aproximaram para poder falar com ele. Mas a polícia interveio e levaram-no logo para a sala da audiência, assim como o seu advogado de defesa, Dr. Nogueira. Estava tudo sendo filmado. O julgamento teve início.

Téo, no banco dos réus, com as algemas a prenderem suas mãos, sentia-se um ninguém ali no meio daquilo tudo, um pobre coitado, um desafortunado. Era como se o seu destino na vida fosse nadar, nadar e morrer na praia, como seu pai Eriberto uma vez lhe dissera.

E era dessa forma que ele se sentia. Como se tivesse nadado aquele tempo todo para morrer na praia. De nada valeria todo o seu esforço, seu empenho em ter tido suas coisas, se não pudesse ter sua liberdade de volta.

Lá fora, nas ruas, nas casas, o país inteiro aguardava o resultado daquela audiência que iria decidir o seu destino. Sentado ali no banco dos réus, seu pensamento viajava por horizontes distantes, e a dor e o sofrimento que assolavam o seu coração davam lugar para as lembranças que a vida lhe trouxera...

Lembrou de quando era criança e morava no morro, indo brincar com as crianças que lá viviam, e que algumas delas, ao contrário dele, haviam ido para o mundo do crime mais tarde.

Lembrou da dificuldade que ele e sua mãe passavam, com a falta de estrutura e conforto. As brigas do pai, as aflições de sua mãe, o sofrimento quando vira seu irmão morto baleado. As palavras pessimistas de Rômulo para si, o coração bondoso de Dona Zélia que havia partido por falta de assistência médica e a sua decepção ao não passar no vestibular.

Depois, suas lembranças foram seguindo a ordem cronológica, e então lembrou-se quando fora trabalhar com Seu Jorge. Santo homem que lhe ajudara a subir na vida, o tirando de um triste caminho. Lembrou-se também de quando tirara o diploma da faculdade, o sentimento de vitória que lhe dera. E quando fora para o Rio de Janeiro, trabalhar na multinacional, e se esforçara até se tornar gerente financeiro. A emoção que sentira ao comprar seu apartamento! Depois o seu carro! E a sua viagem para os Estados Unidos! Ele chegara até o topo! Ah! Como fora bom!...

Em sua mente, iam passando os flashes daqueles acontecimentos, que ficaríam marcados para sempre na história de sua vida, e que o fariam ter sempre esperanças de que toda luta na vida era para se ter um futuro melhor. Naquele instante, lembrando de toda a sua belíssima trajetória, chorou por estar ali, algemado, sendo julgado por um crime que não cometera, tendo sua vida exposta à opinião pública, sentindo-se impotente para salvar a si mesmo de tudo aquilo.

Não merecia aquilo. Em seu pensamento, achava injusto ter que estar ali, e sua vontade era a de gritar pra todo mundo que ele era um moço bom, honesto e batalhador, que merecia uma vida melhor, de paz, felicidade e liberdade...

O juiz ouviu os argumentos de sua defesa e o testemunho de pessoas importantes, que falaram do seu bom caráter, como o professor Basílio:

____ Teobaldo sempre foi um aluno aplicado. E acima de tudo um rapaz sensível, batalhador, ele nunca desistiu de alcançar os seus objetivos, mesmo com todos os problemas que passou, seguindo sempre com honestidade. É um rapaz íntegro. Eu admiro muito ele.

Vanessa:

____ O Téo é o melhor amigo que uma pessoa pode ter. Desde que começou a trabalhar lá na empresa, esforçou-se para mostrar sua capacidade. Nunca pisou em ninguém. Sempre tratou todos com educação, sempre foi humilde para nos pedir ajuda quando precisava. É um amigo insubstituível, não há ninguém que possa ocupar o mesmo lugar dele no trabalho e no nosso coração.

Mauro:

____ Ele é como se fosse um irmão pra mim. É uma injustiça ver ele sendo julgado aqui, se querem saber minha opinião. Não há nada nesse mundo que possa desfazer a dignidade que este homem possui.

Seu Amin:

____ Eu já errei muito com Teobaldo, como patrão. Mas ele, como funcionário meu, nunca me deu motivos para me decepcionar. É uma jóia rara. Estar aqui é o mínimo que posso fazer depois de tudo que ele fez pela minha empresa.

Seu Jorge:

____ É para mim o filho que eu nunca tive. Foi o melhor empregado que eu já tive. Muito esforçado, muito batalhador, como todos já disseram. Mas uma palavra o define como pessoa: ele é um grande vencedor. E um vencedor jamais cometeria um crime desses, não depois de tudo que ele lutou, jamais seria capaz de jogar sua vida fora de uma maneira dessas.

S. Euclides:

____ Ele, como gerente financeiro, tem a total confiança dos acionistas da empresa. Uns tempos atrás, quando ficou sabendo que era filho de uma família rica, ficou um tempo afastado do trabalho, mas voltou, porque ele não queria viver às custas do dinheiro de seus pais. Ele gosta de ter as coisas através do seu esforço, do seu suor, e pessoas assim são raras no mundo. Não há o que falar do caráter desse homem.

Téo chorava emocionado com o depoimento de todos, pessoas que fizeram parte de sua vida e que puderam conhecê-lo, e a todas elas ele sentia uma profunda gratidão.

O juiz estava prestes a dar a sentença, quando, nos instantes finais, surgiu uma testemunha inesperada, a qual revelou ser amiga de Amanda e estar na boate com ela no dia do crime.

____ Eu, Amanda e o Ricardo estávamos drogados. – confessou a moça, chorando de vergonha pela exposição e por revelar que era usuária de drogas. O fato era que seus pais a haviam obrigado a fazer justiça quando souberam que ela sabia da verdade, e era por isso ela estava ali. ____ Eu estava com Amanda quando o Ricardo, que eu conhecia e posso afirmar que era ele, levou ela de lá. Os dois foram embora no carro dele. E depois, eu não a vi mais...

Era chegada a hora de ser livre. Sob forte comoção, todos ouviram o juiz anunciar a sentença, que decidiria o destino daquele sofrido rapaz. Então, Téo foi absolvido daquele caso e liberto, para a sua felicidade. Estava livre finalmente.

Sara e sua mãe Madalena beijaram-o no rosto, felizes por sua vitória. Ele, ainda pálido, recebia os vivas de todos, demorando a cair a ficha do que estava acontecendo. As pessoas na rua o cumprimentavam, comovidas com a história de sua vida e sua vitória final, e o país inteiro passou a vê-lo como um exemplo de perseverança e dignidade. Foram instantes de emoção e alegria.

E assim, pôde novamente andar livre pelas ruas, sem ser acusado de nada, podendo ver o sol iluminando aquele mundo lindo que ele tanto amava. Finalmente, podia ser feliz ao lado de sua amada.

No momento, a única coisa que queria era descansar de toda aquela batalha. Pegou seu carro e junto com Sara fez uma viagem para um lugar belo e distante das cidades, agradecendo a todos que acreditaram em sua inocência. Partiu, deixando para trás uma vida de sofrimentos e lutas, que agora dava lugar a uma vida mais serena e cheia de alegrias, livre para poder voar, tal como os pássaros no céu azul.

...

Algum tempo se passou e quando retornou de sua viagem, Téo foi visitar S. Alípio, que ainda estava no hospital e já havia se recuperado do trauma que acometera seu coração. Ainda muito abalado com os últimos acontecimentos e com a morte de Ricardo, S. Alípio chorou ao ver Téo e pediu para que ele o abraçasse, ainda o considerando como um filho. Téo percebeu que ele era um homem bom, mesmo com toda a fortuna que tinha, e que fora tão vítima quanto ele de uma mentira que mudara o rumo de suas vidas. Mas no final, tudo acabou bem. A mentira não fora capaz de acabar com a esperança que havia em seus corações nem a sua vontade de viver.

Aliviado, Téo refletia sobre toda a sua trajetória e lembrava do início de tudo, a sua origem, quando era um moleque que vivia no morro e sonhava com um futuro melhor.

Decidiu então visitar o morro onde morara, acompanhado de Sara, como a se despedir daquela vida que ficava pra trás.

Lá, foi muito bem recebido por todos, que conheciam a sua história e sabiam do seu bom-caráter e sua luta para poder vencer. E ali ele sentiu aquela emoção forte ao ver a bela paisagem do mar e das ilhas, junto com o céu azul e a luz do sol que nascia e iluminava tudo ao seu redor. A mesma luz que anos atrás lhe trouxera esperança na vida. Então, ali no alto, ele agradeceu a Deus e à vida, ao Universo infinito, por ter lhe dado a chance de vencer. Sara assistia a sua oração, sorrindo feliz de ver seu amado bem.

Mas teve um alguém que não se contentou com aquilo. Dotado de uma profunda inveja de Téo e rancor por não ter tido o mesmo destino que ele, surgiu do nada e apontou uma arma para a cabeça dele.

Téo e todos que estavam ali presentes se assustaram. Téo pôde novamente ver aqueles olhos negros recheados de ódio e raiva pela vida, e sua amargura por ter sido condenado a um triste caminho.

____ Pensa que eu vou deixar você ser feliz enquanto que eu sofro aqui, loro? – disse o traficante com sua voz rouca. ____ Essa história não vai terminar assim. – então, pegou no braço de Téo, dizendo: ____ Eu vou levar você junto comigo em minha derrota.

E assim, puxou Téo pelo braço o levando morro acima. A multidão toda ficou desesperada. Rômulo agora tinha a vida de Téo em suas mãos.

Último Capítulo

O Brasil inteiro assistia o seqüestro pela televisão, que daria o destino da vida de Teobaldo. Nas ruas, casas, avenidas, shoppings, indústrias, escritórios, todos estavam atentos à televisão acompanhando o desfecho daquela sofrida saga da vida de um rapaz que lutara até o fim para poder vencer.

Do alto do morro, lá no topo, Rômulo ameaçava Téo com uma arma apontada para a sua cabeça, disposto a acabar com a vida dele. As câmeras de TV filmavam tudo e uma grande multidão estava presente.

Os ventos sopravam com força, balançando a relva que os sustentava e levando as nuvens naquele céu azul. Téo via os pássaros voando, imaginando como seria se pudesse voar como eles, por entre as nuvens. Então, sentiu que sua vida ia se esvaindo, tal como o sol no horizonte que se punha, a terminar com a sua trajetória.

Por incrível que parecesse, não conseguia sentir medo por poder perder a vida. Sentia uma imensa tranqüilidade, uma paz interior, como a estar preparado para o fim...

Rômulo, então quebrou o silêncio, berrando com os policiais:

____ Não vai adiantar vocês tentarem me convencer! Eu vou matar ele e a mim mesmo depois! Não há chance de vitória!

Téo refletiu sobre aquelas palavras: “Não há chance de vitória... Não há chance de vitória...”.

De nada adiantou lutar por toda a sua vida.

Sua luta fora em vão...

Então, perguntou a Rômulo:

____ Por que está fazendo isso?

Rômulo então olhou-o com seus olhos vermelhos a revelar a mágoa pela vida, e respondeu:

____ Porque você teve a chance de ser feliz. E eu fui condenado a ser um traficante, que só tem como roubar e matar para ter dinheiro, para poder viver.

Então, derramou a primeira lágrima, a lágrima por tudo. Por todo aquele sofrimento. Pela sua vida. Pela vida de Rômulo. Pela vida de muitos que tinham suas vidas roubadas como eles...

Lembrou-se de quando era criança e ia jogar futebol no campinho junto com Rômulo e Ronaldo, que também eram crianças...

____ Goool! – gritou Ronaldo correndo pelo campo. ____ Eu fiz um goool!

Rômulo, que tinha sido o goleiro, sentou no gramado e cruzou os braços, zangado. Téo, que notou a zanga dele, se aproximou e disse:

____ Por que você ficou assim? Você está agarrando bem!

O outro, com a testa franzida, retrucou frustrado:

____ Não estou nada! Eu sou é uma porcaria. Não sirvo pra nada mesmo. Bem que os meus pais me dizem.

Téo olhou para ele, espantado com suas palavras, e disse, pondo a mão sobre o ombro dele, apoiador:

____ Eu não acho isso. Olha, se você quiser, podemos treinar um pouco e aí você vai melhorando a sua defesa. Eu te ajudo.

____ Mas eu só vou levar gol de você. – Rômulo disse. ____ Não vai adiantar de nada.

____ Vai sim. Confie em mim. Eu vou tentando fazer gol contra você e você vai tentando defender a bola, sem compromisso. Não vamos estar disputando nada.

____ É sério? – indagou Rômulo, entusiasmado com a idéia. ____ Não vai zombar de mim se eu levar muitos gols?

____ Sério. – respondeu Téo. ____ Agora, vamos lá treinar. – e estendeu sua mão para o outro para levantá-lo.

Assim, Téo levantou Rômulo e juntos foram treinando a defesa deste até que ele foi conseguindo segurar bolas mais difíceis, se aprimorando, conseguindo agarrar bem depois de um tempo.

E juntos, foram jogando muitas partidas contra os meninos do morro. E sempre ganhando, graças ao ataque de Ronaldo, a defesa de Rômulo e o apoio de Téo, formando uma boa equipe, que se desfez com o tempo... devido aos compromissos e caminhos que cada um foi seguindo...

Téo dera mais atenção aos estudos, enquanto que Ronaldo permanecera participando dos jogos. E Rômulo, infelizmente, se enveredara pelo mundo do crime.

E foi assim que as lembranças daqueles dias passaram em sua mente. Agora estava ali com Rômulo, no topo do morro, este prestes a matá-lo.

Foi nessa hora que Ronaldo apareceu e ao lado de Sara, bradou para Rômulo:

____ Por que você está fazendo isso? Não é justo você fazer uma coisa dessas com o Téo!

____ Não é justo por quê? – berrou Rômulo amargurado. ____ Por que ele sofreu na vida?... E eu? Alguém se lembra que eu também sofri?

____ Nós éramos amigos de infância! – berrou Ronaldo, indignado.

____ Nós todos sofremos muito na vida! – falou Sara, que estava desesperada. ____ Nenhum de nós teve uma vida fácil, Rômulo. Mas nem por isso deixamos de lutar por causa dos problemas. E você também pode vencer se lutar!

Rômulo ficou cabisbaixo a abanou a cabeça:

____ Não, vocês não entendem... Por mais que eu lute, não poderei vencer... Minha vida já está condenada... Cometi muitos erros graves, prejudiquei muita gente... fui o responsável por muitas mortes... Eu jamais terei direito à felicidade.

Sara e Ronaldo se calaram. Téo, vendo que seu destino estava se findando, ouvia aquelas palavras como o som de uma derrota inevitável. Como um assassino poderia ter a salvação? Então, imaginou as atrocidades que Rômulo cometera e fechou os olhos, pondo-se a derramar sua lágrimas. Era um peso enorme demais para uma pessoa carregar, um sentimento de derrota inevitável. Não havia como escapar de todo o mal que fizera. Eram muitos crimes...

Porém, pensou Téo, ele não era só um vilão. Ele também fora vítima. Vítima de uma sociedade onde o pobre estava fadado a sofrer, a ter que agüentar as agruras da vida para poder sobreviver e ter que lutar para se ter alguma coisa. De um país onde as crianças carentes estavam destinadas a sofrerem nas mãos de seus pais tiranos, como ele e Rômulo sofreram, e a terem que suportar esse sofrimento, caso contrário iriam perecer. Onde os ricos tinham muito enquanto os pobres tinham muito pouco.

Com aquele pensamento, viu que as câmeras de TV filmavam tudo, e que aquele acontecimento estava sendo transmitido para todo o país. Então, viu que era a oportunidade que Rômulo tinha para poder expressar toda a sua raiva pelo seu triste destino imposto pela sociedade. Esse era um direito que ele tinha.

____ Mas então. – disse Téo a Rômulo. ____ Você pode pelo menos mostrar a sua indignação pela sua vida para a sociedade que foi responsável por isso. Mesmo que tudo termine aqui. – falou, com um olhar firme, pronto para partir. ____ Você pode pelo menos jogar toda a raiva que tem aí dentro e dizer para eles tudo o que você queria dizer.

Rômulo o olhou um tanto admirado, pego de surpresa pelas suas palavras. Então, virou-se para as câmeras que o focavam bem, e assim sentiu que era a hora de poder falar, jogar toda a sua raiva contida por todo aquele tempo, de sua vida sofrida onde jamais tivera a oportunidade de vencer.

____ Eu quero dizer. – bradou ele em voz alta. ____ Que tudo que estou fazendo aqui, é porque não agüento mais sofrer!! Ninguém sabe do meu passado! Vocês todos devem estar me julgando por eu estar com uma arma aqui na minha mão, mas ninguém sabe do que me fez chegar até esse ponto!

Nas casas, nas ruas, nos telões, todos assistiam o drama da vida de Rômulo, cuja face estava coberta de lágrimas de uma vida sem futuro.

____ Eu passei fome quando era criança! Meus pais me batiam, brigavam comigo, e eu não podia fazer nada! Meus irmãos desde cedo se drogavam e me fizeram experimentar as drogas! Quando meu pai nos abandonou, minha mãe passou a se prostituir, e eu fui trabalhar com os traficantes no morro! Sofri muito na vida!!! Nunca tive a oportunidade de nada! Nunca pensei em estudar, ou em ser jogador de futebol, porque a vida não me deu outra escolha e não ser ir para o mundo do crime!!!

____ Mas isso não justifica o que você faz! – berrou um policial em oposição.

____ Não justifica, mas motiva. – bradou Sara. ____ É muito falar quando somos pessoas educadas, viemos de uma boa família. O que constrói a violência é a arrogância das pessoas. Ele não é mais que uma vítima desse país que não dá direito para as pessoas pobres, que passam necessidade, que têm que ver os ricos abusando da sua boa vontade, usufruindo do desperdício das coisas. Se nós hoje somos alguém, é porque fomos educados para isso, tivemos uma família que nos apoiou, ou encontramos pessoas em nosso caminho que nos ajudaram. Morango não nasce em pé de jaca. Temos que deixar de sermos arrogantes. Será que se tivéssemos a mesma infância que ele não teríamos feito as mesmas coisas?

Então, o país inteiro se calou diante daquelas palavras. E todos entenderam o sofrimento de Rômulo, porque se puseram no lugar dele. Diante das lágrimas do pobre rapaz que segurava uma arma em sua mão, as pessoas se emocionaram, e muitas delas também derramaram lágrimas pelas pessoas sofridas daquele país desamparador.

____ Então, meu filho, venha para o caminho do Bem. – pediu Dona Madalena, que também estava presente. ____ Largue essa arma.

____ Não, eu não posso... – chorou Rômulo, cabisbaixo. ____ Eu não posso me salvar. Eu já errei muito, não tenho como me libertar agora. Nem que eu fique anos na cadeia, jamais será o suficiente para pagar todos os crimes que cometi.

Teobaldo olhou para ele, os ventos da vida a esvoaçar seus cabelos e suas vestes, e o sentimento de esperança que um dia tocara o seu coração para poder ajudá-lo veio-lhe à tona.

____ Você tem como vencer. – disse para Rômulo. ____Você tem como vencer essa batalha. Se Deus permitiu você estar vivo aqui, é porque ainda há chance de você se salvar. Mesmo que nessa vida você não consiga pagar por tudo que já fez, você pode pelo menos lutar para conseguir isso. Existem muitas pessoas no mundo precisando de ajuda. Muitas crianças como nós que sofrem por aí. Você pode cumprir sua pena na Justiça, e depois da prisão pode se dedicar a ajudar os outros.

____ Mas isso vai ser uma vida dura. – pensou Rômulo.

____ Vai ser dura, mas pelo menos você vai estar livre. Livre desse mundo onde só há sofrimento, violência, solidão. E eu vou estar contigo. Eu vou ficar do seu lado, te visitando na cadeia, e depois, quando você sair de lá, assim como todo o Brasil, irei te apoiar, porque todos sabemos que mesmo que você tenha cometido esses crimes, você também foi uma vítima e prisioneiro do seu próprio destino. – disse Téo com firmeza, apoiador.

Rômulo olhou para ele, visualizando uma vida de liberdade, e então, disse, motivado:

____ Então eu aceito. Aceito seguir por esse caminho, se você prometer não me deixar sozinho.

____ Eu prometo. – declarou Téo.

Então, Rômulo largou sua arma no chão e soltou Téo, aliviando a todos os presentes e a toda população que assistira aflita e emocionada aquele drama.

Rômulo ergueu os braços, se entregando para a polícia. Enquanto os policiais o algemavam, Sara correu para os braços de Téo, comovida, agradecendo a Deus por ter salvo sua vida. Depois sua mãe o abraçou e deu um beijo em seu rosto. Em seguida Ronaldo, acompanhado de Elcinho. Nessa hora, Sara se aproximou de Téo e indagou:

____ Você vai mesmo ficar do lado dele?

Téo olhou para Rômulo, que estava sendo levado pelos policiais, e com um brilho especial no olhar, respondeu:

____ É claro que vou. Ninguém pode vencer sozinho.

E sorriu.

E assim, o Brasil inteiro assistiu o final daquela etapa da vida de Teobaldo, vida esta que ainda ia durar por muitos e muitos anos...

...

Ao lado de sua amada Sara, Téo admirava a bela paisagem ao redor, na beira do penhasco, avistando o mar com suas ilhas e o infinito céu azul com suas nuvens e seus pássaros, agradecendo a Deus e ao mundo pela sua vida.

Então, sua saga continuou...

Ele casou-se com Sara, continuou o seu trabalho na multinacional, junto com os seus grandes amigos Vanessa e Mauro, os quais largaram o orgulho de lado e finalmente declararam seu amor um pelo outro, também se casando. Carlos, o gerente que não gostava de dele, passou a admirá-lo pela sua história, se arrependendo de seu falso julgamento.

Os anos foram se passando. Ronaldo deu muitas alegrias no futebol, conquistando a Taça da Copa do Mundo.

D. Madalena ganhou um novo amor, um homem bom e respeitador. S. Eriberto recebeu a ajuda de Téo que custeou seu tratamento numa clínica de recuperação para alcoólicos.

Elcinho se tornou prefeito de Angra, trazendo melhorias para a cidade e melhorando a vida no morro onde vivera no passado.

Katina se tornou uma executiva e ganhou um novo amor. Bruno viveu feliz também ao lado de quem amava, sendo ele mesmo.

Téo e Sara viajaram por todo o mundo, conhecendo lugares belíssimos e magníficos. Logo, vieram os filhos, e mais tarde, os netos.

Rômulo passou muitos anos na cadeia, onde sempre teve a presença de Téo, como um amigo a apoiá-lo em todas as horas de angústia e desesperança, como um pai a estender sua mão para o filho, assim como S. Jorge uma vez lhe estendera.

Depois que saiu da cadeia, estudou, trabalhou e se formou. Conseguiu um bom emprego e se prestou a ajudar as pessoas necessitadas, doando cestas básicas e o dinheiro que podia. Encontrou uma mulher que o fez sentir o amor e com quem pôde construir uma família, sempre tendo a amizade de Téo e sempre ajudando as pessoas, como prometera a si mesmo, tornando-se um homem livre e digno.

S. Alípio separou-se de Ruth e viveu sua vida em função de sua grande empresa, a qual deixou para Téo após sua partida. E assim, Téo tornou-se dono de uma das maiores companhias de biocombustível do país, um homem bilionário... Mas não queria aquele dinheiro todo.

Então, com a ajuda de Rômulo, criou uma fundação que tinha como objetivo ajudar crianças pobres vítimas de maus tratos, violência, ou que estavam indo para o mundo do crime. E tornaram-se mais conhecidos ainda, chegando a ganhar muitos prêmios.

E assim, todos venceram.

E Teobaldo conseguiu ser feliz por toda sua vida.

Fim.

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